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segunda-feira, 29 de abril de 2013

PASSEIO NA PAULISTA


Passeio na Paulista

...Era uma comédia romântica, como todas as outras. Lá estavam a madura bem-sucedida pragmática que no fundo era uma colegial suspirante romântica, o aventureiro cafajeste niilista que no fundo era um solitário ressentido... romântico, e a dona-de-casa pós-romântica resignada – elo entre os dois – que no fundo era mesmo uma dona-de-casa pós-romântica resignada, único ser, como se vê, em que essência e aparência não se dissociavam. No final, não é preciso dizer, os primeiros se casam, enquanto a última enxuga lágrimas cum lenço branco. É como se o produtor autor diretor ou seja lá que raios quisesse dizer que a vida é isso aí, é sonhar, um pouco depois casar, ter filhos, e, com o tempo, e as quedas que ele gentilmente nos cede, é resignar-se. Ou não. Talvez o diretor autor produtor ou seja lá que raios não quisesse dizer nada, e não quisesse mesmo coisa alguma além de garantir a renda do pipoqueiro. E a sua própria, claro está. O fato é que eu saí de lá sem saber bem o que dizer. Achei melhor, e creio que sabiamente, passar a vez, ou seja, esperar até que ela se manifestasse, o que não levou três passos – “E aí?... Gostou?” – ela perguntou, assim, de olhinhos baixos, como a semear suspiros nos buracos da calçada. Pois é camarrrada amante de leituras densas, eis o que a vida não se cansa de nos arrumar. Devia eu dar mostras de minhas incursões culturais? Ora, qualquer um sabe que não. Há que se proteger a identidade secreta!... Sob pena de sermos interceptados, e neutralizados, como é freqüente. Sei que afastei meu discurso anti-cinema-formulesco-hollywoodiano, que já estava bem me coçando as têmporas, como quem afasta uma mosca varejeira, dessas que batem bem na hora da sobremesa, doidas pra inviabilizar o nosso pão-doce. Confesso: sou fraco. Não posso defender tese alguma. É surgirem na minha frente olhinhos amorosos de sonhadora umedecida, prontos a enxergar nos meus a grama verde onde erguer paredes alvas, telhados vermelhos e janelas floridas floridas, donde se vê dois ou três moleques remelentos correndo alegremente... Ah, camarrrada, que é a verdade? Quem sabe defini-la? Eu não sei, sei é que esse tipo de visão faz todas as minhas convicções parecerem meras rabugices, mesquinharias. É como a natureza, com seus vendavais e terremotos que, quando querem, nos mostram que podemos, sim senhor, pensar o quanto quisermos, e podemos, sim senhor, edificar o quanto quisermos, que, não senhor, não adiantará nada: seremos sempre caniços, e nada mais. Enfim... o de sempre: o chão treme, e meu discurso, meu nobilíssimo vocabulário, vira pó. Olhei-a sinceramente, e respondi – “Gostei. E você?” – ao que ela respondeu, ar de satisfação – “Gostei. Muito.” Acho que fui inconscientemente honesto. Penso que não gostei, mas no fundo devo ter gostado, embora eu realmente discorde disso. Sei lá. Sei é que eu disse que gostei, e ela disse que gostou, e muito, e que então começou a chover, o que me fez refletir que às vezes a vida se assemelha a um filme ruim, e que isso não é mau. Ela sacou do guarda-chuva, prevenida como deve ser, e eu, despre... Bom, banalidades de lado, seguimos em frente, dividindo o dela, calorosamente mudos, nem aí pra tarde que se despedia molhada e cinzenta por entre os prédios. Coisa linda. Seguimos em frente!... Até a esquina, onde vive uma dessas fábricas de hambúrgueres, em que entramos, devo dizer, por sugestão minha. Enfim, mente poluída pede um corpo poluído. O fato é que ela gosta de molho barbecue, eu prefiro catchup, mas isso não tem importância alguma: as batatas-fritas nos unem!... – “Engraçado. Várias passagens do filme me lembraram você.” – ela disse, ao que eu respondi que não sabia bem o que dizer, a menos que ela me dissesse quais passagens – “Ah... não sei... o cara tinha um ar assim, meio outsider, meio desapegado. Sei lá. Quer dizer... no começo, né. Depois deu pra ver que não era bem isso.” No copriendo. Ou melhor: compreendo. Compreendo que ela compreende bem mais do que eu pensava, uma vez mais. Ah... as mulheres... sempre nos analisando, descavando padrões em nosso comportamento, formulando leis gerais pra nossa personalidade. E há quem diga que elas pensam com os ovários. Verdade é que parecem agir assim apenas com o sexo oposto, que no resto... valha-me deus. Eu disse isso? Não, não disse, mas é certo que pensei, sinal não só de que existo, mas também de que, politicamente, erro. Ou não. Sei lá. O que sei é que não disse nada, só tombei a cabeça meio pro lado, dei de ombros e belisquei uma batata, meio sorrindo, ao que ela meio sorriu também. Êlha copriende. Quando saímos, a chuva parara havia algum tempo, e o céu estava começando a limpar-se, deixando entrever quaisquer estrelas, com o quê não pude reter um – “É... apesar de eu ter crescido no verde, isso aqui até que é bonito...” – e ela gostou – “É lindo. Adoro a Paulista.” – e eu arrisquei – “E tá um clima gostoso, agora, né?... Nem calor nem frio... Tá bom pra caminhar...” – e ela, baixando os olhos, num semi-sorriso só de lábios – “É... tá mesmo...” – e eu – “Não é?...” – e ela – “É...” – e eu – “É...” – e ela, num breve, quase imperceptível suspiro – “É...” – e foi quando dum lado eu pensei que ela já estava quase no ponto, e doutro pensei que eu não devia pensar assim, que talvez mesmo eu não pensasse realmente assim, apenas soltasse dessas vez por outra, naquelas, de canto de boca, reflexo dos muitos anos de frases feitas sobre mulher e cerveja, em verdade não sei, sei é que seguimos em frente, em silêncio, mas não daqueles que pesam, ao contrário, são expressão duma certa leveza de alma, leveza um tanto trepidante, é verdade, naquela mistura que todo aquele que já namorou um dia conhece bem, enfim... Seguimos em frente, rumo à Consolação. Até que ela falou – “Mas você disse que cresceu no verde?... Você não é daqui?” – e eu gostei da pergunta, que a resposta que tenho sempre cai bem a dois... Ah, o lado bom de não ter raízes... Sofre-se, é verdade, mas quanto não se tem pra contar, kammarada, quanto não se tem pra contar!... – “É uma história complicada, mas posso dizer que até os quinze vivi no interior.” – respondi, e ela – “Ah, é?... eu também!... quer dizer, só a infância, né. Mas eu também sou do interior. É outra coisa, né?” – e eu me empolguei – “Se é. Onde eu morava tinha um rio enorme e limpo, onde a gente mergulhava, e minha vida era explorar trilhas no meio do mato de bicicleta, atrás de córregos, cachoeiras... Se é outra coisa!... Se é!” – e ela também – “É... onde eu morava era uma chácara, vivia aparecendo bicho por lá, e tinha um quintalzão, eu pendurava uma rede na varanda e ficava lá, viajando... Eu adoro o verde, a natureza, sabe?” – e eu fui em frente – “É... eu também. Não, e a terra? Já reparou que aqui não tem terra?... As crianças daqui nunca vão saber o que é um bicho-de-pé...” – e ela me seguiu – “É mesmo, né... Era gostosinho de tirar...” – e eu emendei – “Me lembro... eu era porcão, tinha tanta coisa pra fazer que achava banho uma perda de tempo. Às vezes ficava três dias sem tomar.” – e ela emendou – “Eca!... eu também, sabia?” – e eu – “Você!” – e ela – “É, ué... Toda criança, eu acho. Tenho um priminho de seis anos que também não gosta de banho, só toma se for comigo...” – e foi quando dum lado eu pensei que o ponto tinha chegado, e doutro pensei que esse tipo de pensamento um dia me levaria à ruína, embora fosse só pensamento, coisa que, efetivamente, ninguém lê, mas enfim, eu tive de dizer, assim, meio entredentes – “É pequeno mas não é bobo, esse seu priminho...” – e ela só sorriu, e eu tive certeza. Veio um cruzamento, Pamplona? Peixoto Gomide? Eu sei lá, sei é que vinha um Corsa, e ela não viu, ou fez que não viu, e já ia atravessando, quando eu a retive pela mão – “Cuidado!” – e ela, tomando, ou fingindo que tomando, um sustozinho – “Upa!” – e me apertando a mão, que não soltou mais, nem eu, e seguimos em frente... seguimos em frente!... diria, talvez, colegialmente. Doutro lado da rua, diante do metrô, sim senhor, a natureza fez seu trabalho, e eu, como sempre, nunca mais quis ter qualquer idéia. Pensar me deprime. Por que será? Estará o problema no mundo, ou no ato?... Sei lá. Sei é que o pátio do Masp, com seu escurinho, devia ser tombado pelo patrimônio histórico, e protegido a todo custo, se é que já não foi, perdoe-me a ignorância, não sei mesmo muita coisa. O que fizemos? Ora, nada demais, por certo, mas é que belo mesmo é só dizer assim, numa curtinha, sem muito bafalhafa, sem muita filosofia, naquela simplicidade que o velho bandeira, sábio dentre os sábios, sempre soube ser o bem maior: a vida é bela. A vida é bela, meus amigos! Esqueçam de Deus, esqueçam do diabo, esqueçam tudo que não interessa verdadeiramente, que a vida, simplesmente, é bela. Enfim, o ponto de ônibus chegou, o dela, obviamente, e ela disse que precisava ir, e eu disse que tudo bem, e ela me pediu que ligasse, e eu disse que com certeza, e ela foi, e eu resolvi que ia descer a Rebouças a pé mesmo, e que ia pegar o ônibus do outro lado da ponte, e que essa noite ia dormir, sim senhor, como havia algum tempo não dormia. 

sexta-feira, 26 de abril de 2013

O NOME

Te procuro, vida,
em sonho, envolto em treva,
e quanto mais minha alma precisa,
mais é certo que tu não te entregas...

Quero teu beijo, vida,
quero o toque dos teus dedos,
mas, quanto mais anseio, e anseio,
menos tu te arriscas...

Teu beijo...
Como desespero! e meu olhar,
diante de tua imagem, sempre a mesma,
afasta tudo que não é sonhar...

Sim, teu beijo.
E tua pele junto à minha, despida:
é o que minha língua desenha,
quando diz teu nome:
calor que me consome,
doce e terna cantilena,
- eu disse "vida"?
Não é certo...
És bem mais que isso...
És, simplesmente... Samira.

      

quinta-feira, 25 de abril de 2013

REMINISCÊNCIAS

Olho a tua foto, e vem o tempo,
como voz distante, sussurros a viajar
até mim, a me trazer, nas asas de anjo,
a dúvida e o sofrimento: a forja.

Lembrar de ti é lembrar de mim,
há muitos e muitos sóis,
há inúmeros começos, e tão chorados fins...

Lembrar de mim é lembrar de ti,
hoje, e sempre, teu sorriso
desenha minha lágrima, e ela o muito que vivi...

Unidos,
como o céu e o mar em seu beijo azul,
vamos construindo nossa história,
e se ela aponta, sim, para o futuro,
traz, também, relíquias já bem velhas, de volta...

Relíquias de mal de amor...
Relíquias de um poeta, e de escrever: a sua dor.




segunda-feira, 22 de abril de 2013

NIGHT HOUSE


Night House

...Eles vão descendo a Rua Augusta a pé, o colorido do néon dos letreiros das portas dos puteiros iluminando a calçada. De frente duma barraquinha que vende cachorro-quente e churrasco-grego e x-búrguer e pastel e batata-frita uma loira peituda vestindo uma calça jeans e um blusão de crochê cheio de furinhos por onde se pode cobiçar os bicos dos seus peitos arreganha a boca em direção a um pastel oleoso de frango sentada num banquinho. Mais abaixo um dos amigos entra num boteco pra comprar cigarros. De lá de dentro sai uma loira tingida magra-barriguda que encosta no batente da porta e fala pra ele – “Oi garotão... entra mais e me paga uma cerveja, que tal?” – no que ele desconversa olhando pro chão – “Só tô esperando um amigo meu...” – e ela solta uma risada catarrenta – “Riii... não gosta de mulher não, garoto?” – e volta o rosto pra dentro do boteco gritando com voz esganiçada – “Ele aqui não gosta de mulher não, aí!”. O amigo volta e continuam pela calçada. Doutro lado da rua na porta dum puteiro uma mulata rebola devagar mostrando a calcinha enquanto olha pra ele lambendo o beiço. Um negão com pinta de Richard Pryor pára eles – “Peraí, meus senhores, só um instantinho. Posso interrompê-los um instantinho só?... Tão atrás de diversão, não tão? Hã?... Pois é, posso apresentar aos senhores o meu estabelecimento? Só vou mostrar, não precisam pagar agora. Eu levo os senhores lá dentro, vocês olham, vai ter um show agora com o casal Andressa e Leandro, sexo ao vivo, tá, com penetração, com tudo, daí vocês assistem, conhecem as meninas e, se gostarem do ambiente, vocês ficam. Só paga o que consumir, tá. Vocês querendo ficar, vou cobrar uma consumaçãozinha mínima de cinco reais, mas é só. Vocês gostando de alguma menina, e querendo fechar o programa, o quarto é quinze reais, o resto vocês negociam com ela, ok?... Vamos lá?” – e passam por uma portinha e detrás dela um balcão onde está um sujeito de gravatinha borboleta que carimba os cartões de consumação e entrega pra eles – “Pronto, podem entrar. Bom divertimento.” Entram pelo lado esquerdo do balcão passando por umas cortinas roxas. À esquerda está o bar com garrafas de tudo quanto é bebida e copos de tudo quanto é tamanho e formato pendurados. À direita está um estofado de couro preto colado à parede apoiado em tijolo e indo até o fundo onde mulheres loiras e morenas e mulatas e pretas e novas e velhas usando vestidinhos e mini-saias vermelhos e pretos e transparentes estão conversando e sendo apalpadas e lambidas por homens cabeludos e carecas e grisalhos. No fim do bar de frente pro resto do estofado está o palco iluminado por lâmpadas vermelhas e verdes e roxas e depois dele as escadas que sobem à esquerda em direção aos quartos de cima e as escadas que descem à direita em direção aos quartos de baixo. Das de cima vem chegando um casal e o barman anuncia por um microfone o início do show do casal Andressa e Leandro. Eles dão uns beijinhos na boca um do outro, daí ela tira o sutiã e ele chupa os peitinhos dela, daí ele tira a sunga e ela chupa o pau dele, daí ela tira a calcinha e ele chupa o grelinho dela, daí ela levanta a perna direita e ele mete o pau na buceta dela, daí ela deita no chão e dobra o abdômen erguendo o quadril e esticando a perna direita pra direita e a perna esquerda pra esquerda e ele mete o pau na buceta dela, daí ele levanta ela no colo com as duas pernas bem abertas e a gente pode ver bem que ele mete o pau na buceta dela, daí ela ajoelha e ele ejacula dentro da boca dela, e o barman anuncia por um microfone o fim do show do casal Andressa e Leandro. Depois do show uma puta de sutiã vermelho e mini-saia preta olha fundo nos olhos dele enquanto bebe o que parece ser um Martini. Ele levanta e vai até ela e pergunta o nome dela ao que ela responde que é Andressa e ele pergunta se todas as meninas que trabalham ali são Andressas e ela responde que não que só ela e a do show. Os bicos dela fazem o ponteiro dentro da calça dele apontar o norte magnético e então ele pergunta pra ela quanto é o programa. Ela responde que o mínimo dela são cinqüenta reais e ele diz que só pode pagar quarenta e ela diz que quarenta tudo bem mas só por que ele é bonito. Ela pergunta então se ele quer ir direto pro quarto ou se não quer bater um bom papo antes e ele diz que tudo bem um papo. Eles sentam e ela pergunta o nome dele e o que ele faz e ele diz que melhor mesmo é irem logo pro quarto. Chegando lá ela pede que ele espere um pouco ali que ela vai buscar toalhas e então ele fica lá e cheira o lençol e examina o travesseiro e resolve então tirar os sapatos e as meias e a camiseta e esperar ela voltar deitado na cama. Quando ela aparece ela joga as toalhas num canto e fica junto da porta já tirando a mini-saia e virando de costas e tirando o sutiã rebolando devagar e depois tentando descer devagar a calcinha que fica grudada no rego e ela puxa de leve e depois solta e depois puxa e depois solta esfregando aquela tirinha de pano muito no rego e gemendo que não tá conseguindo tirar e pedindo que ele ajude. Ele vai até ela e ela empurra ele contra a parede e pergunta quantos anos ele tem e ele mente que tem dezoito e ela pergunta se ele tem namorada e ele mente que tem e ela pergunta então o que um cara como ele tá fazendo num lugar como aquele e ele responde que – “Curiosidade. Quero ver como é.”. Ela pisca um olho dizendo – “Entendi...” – e abre o zíper dele puxando o pau dele pra fora dizendo – “Eu vou ter que ser melhor do que ela...” – e então ela abre a boca e engole metade do pau dele chupando indo pra frente e pra trás enchendo o pau de saliva e lambendo e passando a língua no buraco do pau e depois indo pra frente e pra trás de novo e mais rápido e apertando o pau e mordiscando e indo pra frente e pra trás e mais rápido pra frente e pra trás e apertando mais e ele fechando e depois abrindo os olhos e olhando pros pentelhos dela e pensando que ela já deve ter chupado o pau de São Paulo inteira e deve mesmo é ter chupado todo tipo de pau que aquilo é uma puta vadia e que ele não devia tá ali e ela chupa mais rápido e vai pra frente e pra trás apertando mais e então ele grunhe que vai gozar e ela tira a boca e ele esporra nos peitos dela e ela esfrega a porra pelos peitos e pelo umbigo e ele senta no chão, e ela se afasta devagar, e senta na cama, e ele olha pro chão, e ela limpa um resto de porra com a toalha.
Ela deita de lado na cama, apoiando a cabeça no braço, e olha pra ele, esboçando um sorriso, e ele nota que ela é bonita, e depois nota na dobra da barriga dela um brilho de porra que vai secando, e de repente ele sente nojo, e olha em redor, e vê que as paredes são na verdade divisórias de escritório, e de todos os lados vem um barulho de corpos se batendo, e um cheiro de porra que não é só da dele, e o nojo cresce... Ele olha pra ela, e de repente ela é tão bonita, que sente desejo, e sente nojo, e sente raiva, e sente vontade de esmurrá-la... E depois... sente vontade de levá-la ao banheiro, e pedir que se lave, e pedir que vista uma roupa comum, e chamá-la pra ir lá fora comer um sanduíche, quem sabe uma pizza, quem sabe tomar um refrigerante... Ela o observa, parecendo analisá-lo – “Que foi, benzinho?”. Ele responde que nada. Ela diz – “Não esquece que você ainda não me comeu, hein?” – e passa a mão de leve lá embaixo – “Ainda nem tirei minha calcinha...” – e ele apenas a olha... E depois pergunta, a voz um tanto arranhada – “Por que você faz isso?”. Ela desvia o olhar, levantando um pouco as sobrancelhas, e depois baixando, e fazendo um beicinho, e suspirando – “É... não vai acontecer mais nada, não é?”. Ele baixa a cabeça, e lembra de momentos antes em casa... Estava falando no telefone cum amigo do colégio, que o chamava pra ir num puteiro, que quase todos já tinham dezoito anos, só ele que não, mas – “Você pode usar sua cópia falsificada do RG.”. Ele descolava cinqüenta reais com a mãe, e não se agüentava: no banho, batia duas punhetas em baixo do chuveiro. Assim, sem sequer cogitar quem seria a mulher que teria, se gordinha, magrinha, alta, baixa, loura, morena, carioca, paulista, filha única... O que importava é que ela teria uma xoxota, e ele pagaria sem questionar pra fodê-la... Isso foi o que ele, no fundo, pensou, mas agora está ali... – “É. Acho que não...” – ele responde, e ela – “Tst, tst, tst... Que decepção! você parecia prometer...” – “Pois é. Sinto muito.” – “Quer saber, se você parar mesmo por aqui então lá fora eu vou falar pros seus amigos que você não é de nada, mas de nada mesmo.” – “Vai em frente...”. Ela pára, cruza as pernas em posição de meditação, e o olha, sorrindo – “Que acontece com você, hein?...” – “Olha... eu acho... eu acho você bonita. E acho que você devia fazer outra coisa, não sei... isso aqui é... estranho... é deprimente... não sei. Pra ser sincero, só quero dar o fora daqui...” – “Ok!” – e ela dá um longo suspiro – “Fim de papo!”. Ela se enrola na toalha, e pede que ele espere, que ela vai até o banheiro se lavar. Ele se veste, e dali um pouco ela volta, se vestindo também, e dizendo – “Bom, são quarenta reais, né?” – no que ele responde que sem problemas, e entrega a nota de cinqüenta pra ela, perguntando – “Você tem troco?”. Ela olha e sorri – “Safadinho... vou precisar trocar, você espera?”. Por um segundo, o sangue foge do rosto dele. Ela percebe, e emenda – “Pode ficar tranqüilo que não vou te roubar, tá...” – e ele constrange-se que não, quê isso, tudo bem, e ela diz baixinho, num tom de voz que parecia agora estranhamente frágil – “Me espera lá com os seus amigos, que o tempo do quarto já acabou, tá?”. Ele volta pro estofado. No palco, um novo casal faz sexo enquanto dança flamenco. Os amigos o rodeiam, e perguntam como foi. Ele diz que tudo bem, e suspira fundo – “Tô pregado...”. Dali poucos minutos, ela aparece, com o mesmo sutiã, com a mesma mini-saia, exatamente como antes... Só que diferente. Ela estende o troco a ele, e, quando ele pega, ela retém sua mão, acariciando-a de leve, e diz, olhando em seus olhos e sorrindo um sorriso difícil e imperfeito – “Obrigada”. Os amigos o olham, a pergunta vibrando no ar, que no entanto ninguém faz, e ele jamais responde. 

sábado, 20 de abril de 2013

LUA NOVA

Me abraça, lua nova,
faz de meu ser uma festa,
com tua feminilidade agridoce,
com os teus roçares de pétala; 
já não vejo tuas pegadas
na terra à minha volta,
já não tenho tuas cores 
a me ditar a boa rota:
me abraça, então: é só o que importa...

Eu quis, um dia,
ser o louco da floresta,
cheio de visões, 
todas mui belas, 
mas sem serventia,
já que não se vive,
já que nada mais se espera...

Hoje, aqui,
ofereço essa sensaboria,
esse falso balançar das árvores,
em troca da certeza do vento,
em troca da certeza do mármore.
Saberei, sem ver,
que és tu à minha porta,
e então... nos abraçaremos,
e será isso, tudo o que importa.

UM POUCO DA MINHA HISTÓRIA...


O primeiro gol

Me lembro... eu completava oito anos, meu irmão seis, e comemorávamos juntos, numa única festa. Vinham os coleguinhas do colégio, pai e mãe convidavam amigos, a molecada podendo usar, abusar e lambuzar – o quintal, que a sala era lugar pra adultos. Uma hora, chegava um vizinho, magro e bonachão – “Ôpa, quem tá fazendo aniversário aí, que ouvi dizer?” – e trazendo embrulhos. Corríamos até ele, e notávamos: um era redondo. Ele estendia os braços, este, o redondo, em minha direção, o outro a meu irmão. Eu pegava, vendo de esguelha meu irmão rasgar o papel de presente, e exibir satisfeito um caminhão cheio de cavalinhos de plástico na carroceria. Eu – “Diacho... quê que eu vou fazer com isso?” – pensava. – “Não vai desembrulhar não, meu filho?” – minha mãe perguntava, o homem sorrindo amarelo, – “Ué, é uma bola, não é?” – eu respondia – “Vou botar lá no quarto, amanhã eu desembrulho...” – e saía. Dias depois, trocava por um estilingue, cum moleque da rua. É como era. Vivíamos numa cidadezinha lá do interiorzão de Goiás, hoje centro do novíssimo estado do Tocantins, onde permaneci até os dez anos, e onde minha vida era correr as ruas de terra batida montado na Caloi Cross, e me enfurnar em trilhas atrás de riachos e cachoeiras, e ir mergulhar da pedra da beira-rio, um pequeno penhasco às margens do Tocantins. Futebol?... nada. Morava defronte ao muro do estádio municipal – só um campão cercado de mato – e meu contato com a bola se resumia a catá-la e atirá-la de volta quando vinha quicar em frente de casa.
Nos mudamos então pro Rio de Janeiro. Lá, invariavelmente, me via obrigado a jogar futebol nas aulas de educação física. E tinha uma participação até que digna de menção: me mandavam à defesa – “Fica aí. A bola aparecendo você chuta pra frente, pro lado, pra onde o nariz apontar, só não chuta pra trás, entendeu?” – um mais velho, dos que eram escolhidos pra escolher time, me dizia, e eu ali ficava, às vezes não contendo um impulso e metendo a mão ou o braço na bola... Pênalti. E xingos, saliva respingando na testa. Às vezes, o professor organizava campeonatos, aos domingos. Eu acordava cedo, preparava um café reforçado, o pai reparando – “Vai aonde, filho?” – “Pra escola. Vai ter um campeonato de futebol.” – “Ah, bom!... muito bom. Faz muito bem em praticar um esporte, você é um garoto muito quieto, introvertido... vai te fazer bem!” - É. Lá eu ia. Separavam os times, jogos de camisa, árbitro e tudo. Prometia a mim mesmo que me esforçaria. Começado o jogo, disputava, roubava a bola do adversário, e disparava em carreira – “É só correr mais que todos...” – pensava. Mas no meio do caminho, parava, olhando em volta – “Cansei...” – dizia, arfando. Um companheiro gritava – “Tá louco?! olha a bola!” – “Ah, é!... a bola...” – já um do outro time passava e a levava... No final, o capitão – “Bicho, você é muito rúim! o maior pereba que eu já vi! quê que cê veio fazer aqui?”.
E foi assim por todo o primeiro ano, até que... aconteceu: numa aula em que o professor cismou de, invés de dividir a turma em vários times, fazer apenas dois, bolão contra bolão. Separavam o pessoal, cada um se posicionando onde quisesse. Olhei: a defesa vazia... – “Ali nunca ninguém quer... e é onde sempre me colocam...” – murmurei – “Pois é pra lá mesmo que vou” – decidia, não sem certo temor. Sabia que lá haveria cruzamentos, e que teria de interceptá-los com a cabeça: eu tinha um medo terrível de cabecear, a bola doía, era dura, e nunca acertava, pegava no nariz, na nuca, e quando pegava, que às vezes, simplesmente passava... Mas neste dia, não: neste dia, qualquer coisa lá dentro trepidava, queria mudar, queria chegar nos mais velhos olhando firme e dizer – “Pereba é a mãe!”. Daria um basta, seria o Interceptador, saltaria olhando pra bola, acompanhando seu movimento, e quando ela chegasse... Pumpf!... meteria a cabeça, a espirrando pra fora, todos boquiabertos se perguntando – “Quem é aquela muralha ali na defesa?”. Ia pra lá, encontrava o goleiro, dois ou três outros zagueiros pernas-de-pau, e um carinha do outro time, já prostrado na banheira antes mesmo do jogo começar. O goleiro me olhava contrariado – “Você não é d’outro time não?”. Respondia que não, no que ele – “Sei... é, fazer o quê...”. Rolava a bola. Logo no comecinho, um deles escapava pela direita e descia em velocidade. Prendia os olhos nele – “Lá vem cruzamento, lá vem cruzamento!” – pensava – “Ele vai cruzar, o desgraçado vai cruzar! olho na bola! olho na bola quando ela vier!”. Assim foi: lá vinha ela. Da linha de fundo, cheia de efeito, em minha direção – “Deixa comigo!” – gritei. Subi, de olhos abertos, esticando a cabeça à frente – “Vou tirar essa bola” – dizia, a frase ecoando em meus pensamentos – “tirar essa bola, tirar essa bola...”. No momento da cabeçada... pois é: o momento da cabeçada... Ventava? Não sei... Não me lembro. Sei que pisquei os olhos e, quando vi, a bola quicava dentro do gol, o goleiro assistindo aturdido. Sim, caro leitor: um golaço! Um pouco tonto com a pancada, olhei em direção ao centro do campo: lá, uma turba cheia de sangue nos olhos, envolta em poeira, apontava pra mim. Tremi – “é hoje... vou ser espancado.” – pensei, e não duas vezes: saí correndo. Um grandão tentava me parar – “Peraí! peraí moleque!” – perar?... me pegassem, era uma vez um pereba. Continuei correndo, em zigue-zague, me esquivando de todos, até que... até que o tal me pegou, e todos me pegaram, e me levantaram, gritando – “Êe! viva! viva o pequeno Zico! é o novo Zico!...” – e me carregaram pelo campo. Quando voltei ao chão...

O que virá, dirão alguns, não é algo decente, algo que devamos ensinar aos nossos filhos. Não duvido. Entretanto, na vida, por vezes em número maior do que gostaríamos, as coisas não acontecem como planejamos, e somos obrigados a adaptar. Se apenas os fortes, e oportunistas, sobrevivem neste mundo, é algo que não sei. Sei que ainda estou vivo. Enfim... o fato é que aquele jogo era um enorme embolado, alguns de camiseta, outros sem, só se sabendo quem jogava contra quem entre os bons. Os perebas... bom, esses compunham a massa disforme, destinada apenas a completar o quadro. Assim, num piscar de constrangimento, de incapacidade de, posto ao chão, dizer a verdade, a visão duma saída relampejou em minha mente – “Não serei mais zagueiro: serei atacante!... é muito melhor, todos preferem ser atacantes. Pelé era atacante, Zico também. Zico... tão me chamando de o pequeno Zico...”.

Quando voltei ao chão, fui à minha pequena área, e mandei uma banana ao goleiro – “Se ferrou! você tava certo: eu era d’outro time!” – e depois corri em direção ao centro do campo. Era o maior, tinha feito um golaço. Um mais velho, dos que eram escolhidos pra escolher time, me dava um tapa no ombro – “Tem futuro, moleque!...”.
É. Tive futuro por mais ou menos cinco minutos. Depois, o jogo continuou, e eu, triste sina, voltei a ser um pereba. Nos dias seguintes, também não deixei de estar entre os últimos escolhidos, o incidente do meu gol sendo logo esquecido. Mas... algo tinha mudado. Eu agora sabia o que era o futebol. Tinha feito um gol!... Só quem já fez compreende. Se as meninas não esquecem seu primeiro sutiã, nós tampouco esquecemos nosso primeiro gol, ainda que... bom, ainda que tenha sido contra. E isso... isso lá também teve suas conseqüências... Passei a evitar me esbarrar com o goleiro pelos corredores da escola, me vendo agora no meio duma situação estranha, complicada: sempre que começava a contar a história do meu gol a um amigo, me entusiasmava, punha ênfase nos detalhes, aumentava, orgulhoso de ter feito um golaço, mergulhando em peixinho, e ter sido carregado dentro de campo; à noite, porém, relembrava, e o saber que eu sabia, a consciência da mentira, me assombrava, corroía. Com o passar dos dias, no entanto, ia descobrindo que as coisas da vida podiam ser descascadas, espremidas, e podíamos mesmo viver delas só o suco, escondendo as cascas e o bagaço. Pegava então meu gol, torcia, recortava, desbastava, imaginando em seguida um alçapão, que abria, e despejava lá os restos de minhas cirurgias. Mais tarde, muito mais tarde, esse alçapão pulsaria, abarrotado, esta uma outra história. O fato é que, fosse eu convidado a escolher uma data, a fixar um dia pro fim de minha infância, e o começo da adolescência, este talvez fosse o dia em que fiz meu primeiro gol. Quem disse que futebol não é coisa séria? 

quarta-feira, 17 de abril de 2013

MEU AMAR-TE

Sonhei que era só,
sonhei que era perdido:
cercado de brumas,
não estava contigo.

Enquanto o mar, ao longe,
dita canções ao monge,
eu, sem tua doce voz,
vou compondo um "nós",
sem saber ao certo
se teus sonhos de flor,
se teu pensar, teu universo,
abraçariam meu calor...

E meu calor é antigo...

Chegará o dia de perguntar,
chegará a vez de ouvir;
hoje, porém, ponho-me aqui,
como em cordel a falar
o que possa, sem nenhuma dúvida,
dar-te a imagem de minha ternura,
a mais bela de minhas artes:
o meu sincero amar-te...

Sonhei que era só,
chorando por um abrigo;
sonhei que era só,
então fui atendido: 

Abriguei-me no amar-te,
Que é sempre, sempre comigo...


  

sábado, 13 de abril de 2013

NO VENTO...

Vai, minha alma,
no vento, sussurrando
versos d'água,
vai, e diz a todos,
irmãos e irmãs,
que o mundo-calabouço
já não dá o tom
à minha vida,
porque sei, então,
que por pouco
que possa meu braço,
ele sempre alcançará
o rosto cujo destino
é receber o seu afago,
e a semente a ser plantada,
e a terra, que se nunca diz
dos seus segredos de chão,
será sempre amiga
dum coração de camponês,
(ou quem sabe de leão),
mas coração de poeta,
e de afeições sinceras,
pequena coleção.



PARA QUÊ?

Para que serve o amor?
Para tornar todas as tarefas cotidianas
um fardo incomensurável,
e então estarmos nós no sofá,
a tentar domar o nó nas entranhas,
a fabricar alguma vontade,
ao menos ver qualquer bobagem
na TV?

Para que serve, isso que nos acossa,
e sem dó nos apedreja?
Para nos transformar
numa barafunda de não-prioridades,
a bocejar o dia inteiro,
e à noite, com olhos de coruja,
desenhamos, dedos no ar,
no breu do quarto a silhueta amada,
compondo mil afagos
para com nosso corpo,
sedento de uma nudez
que sabe Deus quando, e se, virá?

Não.
Se o que se disse é verdade,
o amor, no entanto, não serve para isso.
O amor serve, apenas,
para que nossos amigos,
quando toparem conosco,
leiam em nossos olhos
que ainda não chegou a hora
de alimentar a terra;
para que sintam nosso aperto de mão
ainda firme, incisivo talvez;
e para que todos, sejam o que forem,
nos respeitem como alguém
que certamente não anda sobre a água,
mas cuja alma sabe bem o que é
voar.





LÁ FORA, A GAROA

Lá fora, a garoa:
saio para caminhar,
sinto o fresco do ar no meu rosto,
e os finíssimos pingos d'água
que me acariciam, suaves,
o coração exposto.

Um mal-estar que não me deixa,
a vontade de gritar o nome dela,
de sair correndo sem rumo,
de perguntar a cada transeunte
se acaso não a viu
nalguma janela?
se não a ouviu dizer algo de mim?
se não é verdade
que ela também anseia
por esse calor que me varre
todo ânimo, todo gosto,
que me despoja de mim mesmo,
para logo me trazer de volta
atado a mil receios?

Mas é preciso não sofrer...
Eu sei disso.

Tenho, guardado comigo,
o toque dos dedos,
e a súbita fraqueza da voz,
numa frase assim, tão simplória,
mas que revelava tanto, tanto...
toda desejo, e medo.

Tenho muito,
e é maravilhoso...

Tenho muito,
e é maravilhoso.



quinta-feira, 11 de abril de 2013

PARA S.

Me dá tua mão
menina-moça, Mulher;
me dá teu sorriso
e teu olhar tristonho,
tão entregue,
que deles farei versos
de lua branca, como a tua pele,
de querer desesperado,
e de verde florescer,
em que me vejo, alegre...

Os dias seguem
e o ar vai faltando...
uma preguiça angustiada,
um alheamento
quando a casa é cheia,
e uma inquietude
quando é calma...

Meu pensamento te procura,
sempre, em tudo,
e chega a parecer um crime,
quando contigo não sonho...

Sim, um crime...

Me dá, então, tua mão,
para que juntos
penetremos o nevoeiro,
e convençamos os deuses do sono
de que somente
com teu corpo colado ao meu
podemos enfrentar
nosso humano abandono.
 

domingo, 7 de abril de 2013

BLACK NIGHT

Black night
Why do you never leave me?
Why are you always pacing my heart
And borrowing my sky?

Oh Black night
Could you listen to my thoughts
And forgive my foolish signs?

Black night
Your sorrow is all mine...

Black night
An ancient fear
Has turned into my only sight.

Oh Black night
Plunge into my eyes
And make my daily song a lie.

TEXTOS PEQUENOS

Não tenho tido paciência de escrever textos "de fôlego".
Em compensação, os minúsculos (mini-contos, haikais) têm aparecido quase todo dia.
Ontem mesmo, escrevi meu mini-conto de número 200.
Será que dá para viver disso?

quinta-feira, 4 de abril de 2013

UMA VERDADE INCÔMODA

Só sabe o valor de uma vida aquele que decidiu doar a própria em nome de algo que a ultrapassasse.