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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

NACIONALISMO

"General freedom", meu grande amigo? Custa-me crer num lastro real para essa visão. Me parece, ao contrário, que se encontravam - gauleses e romanos - cada um defendendo o grilhão que lhe é caro.

domingo, 29 de dezembro de 2013

EU: SÍSIFO

Quem me ouve dizer que li, este ano, 80 livros, e que li 96 no ano passado, sendo muitos deles catatais de quatrocentas ou quinhentas páginas, deve imaginar: esse cara gosta de ler! Ledo engano. Só me dão prazer as duas primeiras e as duas últimas páginas de cada livro. Todo o resto, isto é, o miolo, me é extremamente maçante. Mas eu leio tudo. Tudo mesmo. E há livros que já li quatro ou cinco vezes (claro, com um intervalo razoável - medido em anos - entre uma e outra leitura). E sem pular nada, mesmo nas releituras. Trata-se, então, de um masoquista? Não, amigo(a). Não se trata não. Acontece que na vida para se realizar alguma coisa é indispensável a disciplina, e este é meu point aqui: a disciplina surge justamente ali onde o prazer não está. Se vc é daqueles que só fazem o que gostam, vc não realizará praticamente nada nesta vida, sinto muito te dizer. E escrever, então? Mil vezes mais maçante do que ler! Mas já escrevi bastante coisa, também. Uns 30 contos; um romance curto, experimental, mas ainda assim um romance; 200 mini-contos, e quase 700 poemas; isso ao longo de dez anos. É até que uma boa produtividade.
Mas devo confessar algo, aqui: é que me vejo encurralado: não gosto mais de fazer seja qual for a atividade, mas também não gosto de não fazer nada. Só há uma coisa de que gosto: ficar enrolando na cama antes de levantar. Sou capaz de enrolar por quatro ou cinco horas. Meu prazer, e único. Assim também não dá. Se a disciplina é necessária, isso, no entanto, já é uma rotina para Sísifo nenhum estranhar. Eureka! É isso o que eu sou: um Sísifo!
Enfim, termino aqui, por enquanto. A pedra já rolou montanha abaixo. Tenho de subir com ela de novo.
Abraços, e feliz Ano-Bom, para quem puder tê-lo!  

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

TEORIA DA RELATIVIDADE ECONÔMICO-SOCIAL

Como é sabido por todos aqueles que já viveram o bastante, os ricos só comem plástico, só vestem mulambos sem nenhuma graça, só habitam prisões, só visitam lugares absolutamente insossos, ainda que se esteja em Paris, Londres, Nápoles ou qualquer outra sensaboria, e como se não bastasse, têm destino certo no alcoolismo, assim como ao pôr o pé na rua têm de se esconder como se fossem procurados pela Interpol. Os ricos, na verdade, só não são mais infelizes do que os miseráveis, pois, apesar de todos esses pesares aqui mencionados, ainda vale mais beber água limpa e cristalina do que beber água suja.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

PENSAMENTOS

Só resta pedir desculpas pelo desejo, que não consigo disfarçar, de me aproximar da perfeição.

Só resta sorrir e me ofertar ao desconhecido, sem esperar qualquer tipo de recompensa.

Mas na verdade, não sei o que resta, e também não sei para quê.

É preciso trabalhar.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

SIMPLES E DIRETO: UM FELIZ NATAL!

Só queria dizer alguma coisa que faça aquele que me lê abraçar o espírito da época com tudo o que tem. Mas como não sei se é possível (talvez esteja além de minhas forças), apenas passo por aqui para lembrar a todos que a solidariedade, a fraternidade, o respeito ao próximo, e mais geralmente o amor devem estar na base de tudo o que fazemos, todo o tempo, todos os dias, e com relação a tudo que nos cerca, ao menos tudo o que é vivo (ok. Reconheço: excetuam-se as baratas, os ratos, etc., rs).
Um abraço, de coração,
e um Feliz Natal!

sábado, 21 de dezembro de 2013

A LADAINHA

Vida vai, vida vem,
e o Homem mal se sustém,
cara colada no vidro
dalgum maltratado trem,
indo para não sabe onde,
buscando não sabe quem:
ele vai, e ele vem.

Ontem eram planos
de alegria desvairada,
hoje são desenganos
afogados em barro-água:
o Homem vai, o Homem vem,
e é tudo para nada.

Caberia perguntar
se vale qualquer coisinha
a dor de ver o mar
ouvindo a torpe ladainha
da falsa Iemanjá
costurando falsa bainha:
ela ia, e ela vinha.

Ontem eram desenganos
em barro, e água, afogados;
hoje são muro branco
bem cagado e catarrado,
pelos tristes malandros
da viela aqui de baixo.

Caberia perguntar
se o tempo vai brindá-los
com esse mesmo catarro
que a gentileza me dá:

que ele venha, meu pai:
mas que ele vá!







segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

E DO QUE VEM...

Mas algo se anuncia, para o futuro próximo. E será uma felicidade tamanha, mas tamanha, que fico sem saber que dizer a respeito.
Olha, vou te contar: por isso sou capaz de enfrentar até um batalhão de fuzileiros, armados até os dentes.
Por favor, minha bela moça, por favor eu te peço: não se engane com alguma tristeza que emane de meus escritos, e de mim mesmo, ou com alguma fraqueza que eu pareça ter: eu sou capaz de muita, mas muita coisa mesmo, pra ter o teu beijo (claro, uma metonímia, rs...).
Aqui está um homem de vontade mais que férrea: acredite.
Até!

domingo, 15 de dezembro de 2013

ANO QUE VAI, ANO QUE VEM...

Vem chegando o Ano-Bom, e eu começo a fazer o balanço do que vai, e a pensar o que esperar do que vem. Este 2013 foi um ano de fortalecimento. 2012 havia sido um ano de ajuste, de aprendizado, de correções. Este não: quase não mudei uma vírgula na minha linha de atuação; apenas enrijeci, fiquei mais robusto, mais duro, mais tenaz.
Júlio César, o general romano, já nomeava o que fazia a fraqueza dos gauleses: o abrandamento da vida, em facilidades e "riquezas" que diminuíam o moral, e o fazia em comparação com os germanos, cujo estilo rústico e despojado de viver constituía um fator determinante de sua força e eficácia militar.
Pois Deus foi, digamos, bem austero, bem cuidadoso, comigo neste 2013: uma otite que durou seis meses, com corrimento interno e dores espaçadas, e cujos vestígios ainda me incomodam vez por outra; e uma diarreia crônica, diária o ano todo (com raríssimos momentos de trégua), que me impediu qualquer aventura que incluísse uma distância muito grande de um banheiro limpo e decente. Tudo isso para ficarmos no campo da saúde, porque no geral há também o meu cachorro, que me obriga a uma tarefa igualmente diária, sem absolutamente nenhuma interrupção, de lavar a varanda, catar merda, sair com ele para passear, etc. Como disse Trollope: "uma obrigação diária, se for realmente diária, se converte num fardo que deixaria o próprio Hércules exausto a mais não poder", isto é, com meio metro de língua pra fora (pode parecer pouco, mas é precisamente o cachorro que me impede de descansar, de me refazer por completo).
Então, como disse, me fortaleci. Me adaptei a uma vida mais enxuta, mais férrea. Mas espero algum abrandamento para o ano que vem. Nada que me enfraqueça, claro está, mas apenas que me canse menos e me faça sorrir mais. Será pedir muito?  

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

PARA "ELA"

Está começando...
Estará mesmo?
É tão difícil acreditar...
A vida é tão pródiga
em maus desfechos,
em más revelações,
em falsos encontros
de falsas almas gêmeas!
Mas teu sorriso me disse,
ali, quando eu passava,
que nalgum ponto de teu coração
meu nome pode estar batendo...
E eu tenho que te dizer,
então,
que faz algum tempo o meu próprio
coração
procura pelo teu nome.

Algum dia, vou perguntar.
E seja qual for,
uma rima é garantida:
...

domingo, 8 de dezembro de 2013

PARA 2014

Se 2014 te der motivos para sorrir,
sorria, e sorria;
mas o faça de modo especial,
quando a situação for propícia,
e encontrar em teu coração
disposição para tanto.
Não te negues isso,
em hipótese alguma,
pois um sorriso perdido
leva embora a alegria
que te era destinada.

Se 2014 te der motivos para chorar,
chore, e chore mesmo;
chore no quarto fechado, a sós,
mas chore principalmente na frente de todos,
porque só assim se vence a tristeza:
quando não se foge dela,
quando não se esconde as suas cores
no porão do quotidiano,
dos "bons dias", "boas tardes" e "boas noites":
na trincheira do não-viver.

O principal, no entanto,
é não esperar o que 2014 tem
para te dar:
é abraçar o ano que chega
fazendo a promessa
de pegar na enxada,
e ir à roça,
plantar o que certamente
você há de colher,
se ao calo da mão
vier se unir a bênção da Mãe-Natureza.

Oxalá ela venha,
em 2014!

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

CICLOS...

A vida, ao menos aqui na Terra, opera em ciclos: o brotar, o crescer, a pujança, o declínio, e a morte. Tudo o que é vivo é assim.
Pergunto, então: deveríamos agir em correspondência com esse aspecto da Natureza?
Sim, e não.
Se se está falando de adaptação, mas de ainda assim esforço contínuo, quanto a nós mesmos, humanos, para estender ao máximo a pujança, atrasar e amenizar o declínio, e suavizar a morte, então respondo que "sim".
Mas se se está falando de tomar as rédeas da Natureza (ou quem sabe de Deus...), e decidir no lugar dela (ou Dele) quando iniciar e quando terminar cada etapa, respondo que "não".
Penso que ainda precisamos descobrir a melhor maneira de nos adaptar. Já transformamos tanto o mundo e os seres, vivos ou não, que há nele, já destruímos tanto!
Não sei se isso é possível, mas quero acreditar que podemos alcançar um estágio onde a paz e o Bem Comum sejam universais, preservados com tanto afinco quanto hoje são frequentemente desdenhados.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

TODO HOMEM NASCE LIVRE (CONTINUANDO, E EXPLICANDO MELHOR...)

O final do último post me incomoda. Me incomoda mesmo.
Creio que não se trata exatamente de uma opção ter uma vida sadia e tranquila, assim como raramente o sofrer buscando aprendizado é uma opção. Em ambos os casos o que se configura é uma rede extremamente complexa de eventos e escolhas menores, que no todo acaba "brindando" alguém, e "castigando" outrem. Geralmente é a vida que impinge sofrimento, e é inegável que na maioria dos casos a pessoa, uma vez superado esse sofrimento, se torna um ser humano melhor. Mais temperado. Também é inegável que uma vida inteira de bons ventos e mar tranquilo só pode estragar quem a vive...
Assim: como definir o Bem comum?
Só me parece haver uma resposta: a Liberdade é o Bem comum.
Tentarei discutir isso no próximo post. Por enquanto fica aqui apenas esta "correção".
 

domingo, 1 de dezembro de 2013

TODO HOMEM NASCE LIVRE...

Há quem diga que é impossível produzir o bem comum, pois cada um de nós tem a sua noção particular de "bem". Desse modo, também não seria possível apontar evolução numa determinada sociedade, devido à mesma relatividade das coisas.
Ora, eu gostaria aqui justamente de defender o concreto, frente à "subjetividade geral".
Nós devemos lembrar que no Brasil já houve escravidão, onde homens e mulheres cruzavam o oceano em porões imundos de navio, sujeitos a todo tipo de doença, e aqui chegando eram vendidos, marcados a ferro, e explorados com uma brutalidade digna de um inferno de verdade. Me parece claro que, ainda que sejam muitas as opiniões, e que a condenação da escravidão seja algo de nossa época, algo que pode inclusive mudar no futuro, me parece, como eu dizia, claro que a situação concreta dos negros melhorou. Ainda há preconceito, muito, e discriminação, muita, mas aos poucos vamos evoluindo, no mote da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Se o caminho mais corriqueiro, mais "normal", mais amplamente observado, é evitar a dor, e o sofrimento, e buscar a saúde e a tranquilidade, quanto mais gerais estas últimas forem, e quanto menos agudos e mais raros forem aqueles, tanto mais teremos uma situação de maior "bem comum".
Claro que há pessoas que buscam o sofrimento, querendo sobretudo aprender, mas o óbvio: se trata de uma opção. Todos devem ter a opção oposta, a de viver uma vida saudável, com qualidade e substância, naquilo que depende de nós (pois há, bem sei, muita coisa que depende do acaso, ou de Deus mesmo).
  

NOTAS DO SUBSOLO

Este ano está sendo mesmo feliz em matéria de livros. Hoje foi a vez de "Notas do subsolo", de F. Dostoiévski. Livraço. No começo, cômico e profundo, e do meio para o fim, seriíssimo, desesperado, comigo não contendo o pensamento de que o "herói" da história era um porco miserável. Terminado, me vejo em graves dúvidas. Não sei se o "herói" é assim tão mau... Talvez ele seja apenas fraco, uma vítima. Não sei. O que tenho certeza, porém, certeza tirada agora, dessa leitura (vejam como ela foi importante), é que nós temos de procurar dar ao Outro o nosso melhor. Sim, teremos dúvidas, vergaremos, desesperaremos às vezes, mas há que se ter, lá no fundo, algum fogo que nos faça erguer a cabeça, olhar ao redor, e enfrentar a tudo e a todos com um sorriso. É uma esperança. Terá lastro?

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

FÉ, ESPERANÇA

Fé e esperança não são, claro está, a mesma coisa.
A esperança é um desejar misturado com a expectativa de satisfação desse desejar, num determinado futuro. Ela independe de fé em Deus, ou coisa que o valha. Pode ser baseada apenas, unicamente, no acaso, na interação mais ou menos caótica entre os indivíduos, e tudo mais.
Já a fé, por sua vez, se também é um desejar, ela no entanto mistura-se com o sentimento de merecimento daquilo que se deseja, merecimento vinculado a ninguém mais ninguém menos do que Deus, lá no céu, onisciente e onipotente, olhando por nós, ou quem sabe às vezes contra nós.
Pois bem. Eu sempre tive esperança, mas meus momentos de fé sempre foram, e continuam sendo, bem raros.
Serei eu um forte, ou um iludido?

domingo, 24 de novembro de 2013

DO CONCRETO, DO ABSTRATO

Há autores mais concretos, e outros mais abstratos. Os primeiros nos ofertam descrições de visualidades, de cheiros, de sensações táteis, e ofertam um sem-número de observações factuais: em suma, a Objetividade; os últimos nos brindam com mergulhos psicológicos, com abismos filosóficos, com sutilezas de máscara e de visão: em suma, os muitos mundos da Subjetividade.
Poderia citar como concretos Goethe, Italo Calvino e principalmente Hemingway. Como abstratos, Dostoiévski (claro) e Albert Camus.
Devo dizer, sou fã de carteirinha dos abstratos, e confesso que os concretos me causam dificuldade na leitura. Talvez isso se deva à minha personalidade introspectiva e distraída, mas não tenho certeza.
Talvez.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

MAIS NOTAS...

I've seen simply wonderful legs this afternoon, in the library...

"Insiste que você consegue" - Isso foi pra mim?! Será?! Só tenho a dizer: "yahooooooooooo"!

Uma quadrinha:
"Ela balançava as pernas, deliciosamente brancas,
sem saber que com elas, ao mesmo tempo,
balançava vagarosa, como em sonho, um rebento
no balanço improvisado de uma esperança..."

Moça, isso não vai ficar só na internet não. Te prometo. Mas vamos com calma, aproveitando a delícia de cada momento. Vai chegar a vez de falarmos cara a cara. Na verdade, sinto que vou sonhar com isso a cada minuto, daqui pra frente.


segunda-feira, 18 de novembro de 2013

SE VC QUER SER MINHA NAMORADA...

Se você quiser ser minha namorada,
prometo te dar, como um travesseiro,
o lado mais à esquerda
do meu lado esquerdo,
e pôr no serviço de teu cuidar
o meu já tão tatuado
braço direito.
Tatuado pelo tempo,
por um sem-número de "Marias...
e Clarices",
que se deixaram varrer
e carregar pelos ventos
do Devir.
Impossível apagar esses nomes,
para escrever o teu de maneira
mais límpida.
Antes: escolher uma cor a mais berrante,
e cruzar a pele de cima a baixo
com referências de nossos encontros fortuitos,
de modo a não deixar dúvidas
sobre quem trará alívio - enfim eficaz -,
à dor que me consome,
e me nega a paz.


 

domingo, 17 de novembro de 2013

KUNDERA, MANN, E ETC.

É impressionante como não se ouve nem se lê muita crítica tratando do enorme romance A brincadeira, de Milan Kundera! É talvez o mais perfeito que eu já li na minha vida, e olhe que eu já li alguma coisa!
O romance de Kundera é profundamente filosófico, com visões de mundo e personagens contrastantes, contraditórios às vezes, com um senso do caráter contingente e extremamente problemático da condição humana, que espanta. Vai além, muito mais além, de A montanha mágica, de Thomas Mann, que tem um certo ar "forçado", pedante. Kundera consegue ser mais filosófico porque mais orgânico.
E, claro, há a tristeza que emana de A brincadeira, o sentimento irrefreável de ter sido derrotado pelo Tempo e seus fantoches, suas engrenagens.
É preciso ler A brincadeira.
E A montanha mágica também.

O NECESSÁRIO MOVIMENTO

Está havendo um amplo movimento em meu modo de pensar, uma mudança: trata-se do reconhecimento de que o fato de as coisas serem como são é um grande advogado desse modo de ser, o delas. Não que eu esteja me tornando um conservador, não é isso, mas... é preciso admitir o que existe tal como ele existe, ou não? E indo além: deve haver uma razão muito, muito forte, uma razão ontológica, quiçá metafísica, para que aquilo cuja existência constatamos exista do modo como o constatamos.
Claro, é uma hipótese.

sábado, 16 de novembro de 2013

ALGUMAS NOTAS

O mundo está tão cheio de beleza e de espanto, de maravilhamento, que é até possível passar por ele sem se deixar derrubar quando ele nos corta a carne, e nos rasga e nos sangra, sem que nada tenhamos feito de mal.

Tive uma intuição hoje, quem sabe mesmo uma mensagem vinda do além, de algum além, dentre muitos possíveis: minha literatura e filosofia, se existem, são uma busca desesperada por Iluminação. Será?

Para variar, estou amando de novo, e não a mesma moça. Ninguém entende Vinícius de Moraes como eu entendo...

A música me faz pensar em ti, "Alessandra", nestes dias ela tem me trazido o teu rosto minuto a minuto. E o verso que mais me emociona é: "You know I've seen a lot of the world can do/ And it's breaking my heart in two/ Because I never want to see you sad girl", claro, de Cat Stevens (Yusuf), o "mago" que capturou e escravizou meus ouvidos, desde ontem.

Eu poderia citar também Cartola, e O mundo é um moinho: Ah, como eu queria te proteger, minha linda moça, da mão de pilão do Tempo e da Vida-Realidade, mas... estamos fadados. Eu também.

O Natal vem chegando, e meu coração começa a compassar, e meu sorriso quer aparecer, e minha mão quer ser estendida: a quem?




 

domingo, 10 de novembro de 2013

O DUPLO

Vou iniciar um raciocínio que me parece de grande valia. Pretendo explorá-lo aqui, nos próximos posts; neste farei apenas a proposição do problema. Então vamos a ela.
Imagine que exatamente no seu aniversário de dezoito anos, você se duplicasse, e o seu duplo fosse alojado numa espécie de "sala mágica", onde ele visse numa tela toda a vida do alter-ego dele, isto é, você, o "original", que está lá, vivendo no mundo real, fora da sala, ignorando que há um duplo acompanhando-o.  
O que você acha: ele, o duplo, seria sempre advogado de si mesmo, ou seja, seu advogado, ou haveria discordância entre as duas versões do mesmo "eu"?

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

A HORA É AGORA!

É triste, mas na maior parte de minha vida eu estava projetando o futuro. A felicidade estava no futuro. O presente era sempre provisório, o futuro, ao contrário, seria pautado por soluções para os problemas que me afligiam. Tudo, tudo estava por vir, por ser alcançado.
Bom, eu hoje tenho 36 anos, e então me pergunto: e aí? Já chegou o futuro, ou ainda está lá, no horizonte?
Para responder, fiz o seguinte teste: peguei o que eu faço hoje, e projetei no passado, como projeção para o futuro naquele passado. Me explico: como seria eu, há quinze anos, pensando em fazer o que faço hoje, quinze anos depois, quando "hoje" chegasse?
Resultado: eu pensaria: aí está uma boa parte do que chamamos felicidade.
Só que hoje, antes de fazer esse teste, eu já estava, de novo, projetando o futuro, achando que o presente era de pouca valia.
Então penso comigo: Daniel, fodam-se os problemas, o presente é bom, e é nele que está a vida! Se continuar projetando, e ansiando, e esperando, e angustiando, sem viver o agora, cê vai morrer sem ter vivido, porra!
Verdade. Muito verdadeira.
Então é isso, vamos lá, ver se vivo alguma porra nesse futuro convertido em presente, nesse presente que é o meu, com suas dores e seu sorrir. Ao que me parece, é o primeiro passo.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O LIVREIRO DE CABUL

Terminei esta semana a leitura do livro de Asne Seierstad. Devo dizer que imagino o que - como ela confessou, a guisa de prefácio - a revoltou e fez sentir ódio como nunca sentira antes na vida. De fato, as mulheres são especialmente maltratadas, na cultura afegã. Penso principalmente em Leila, mas poderia citar também Shakila, e outras. E os "meninos" filhos do patriarca livreiro também não têm vida fácil.
Mas o que quero expor aqui é o sentimento muito vivo que esse livro suscitou em mim da viabilidade de outras culturas radicalmente diferentes da minha. Sim, eu vislumbrei um sentido, uma razão de ser, para os costumes afegãos. Consegui enxergar aquilo pelo quê os talibãs lutam, e embora eu defenda uma posição diferente, e muito embora eu execre os métodos de que eles se servem, sou obrigado a admitir que eles têm a sua lógica. Não são macacos.
No entanto, continuo um adversário ferrenho do adágio francês Tout comprendre c'est tout pardonner: procuro compreender, mas me recuso a perdoar.

P. S. Lembrando que o Afeganistão não é só o Talibã, não é nem majoritariamente o Talibã.  

sábado, 19 de outubro de 2013

UMA INTERPRETAÇÃO PARA A 9º SINFONIA, DE BEETHOVEN

Me ocorreu agorinha, ouvindo-a.
Esta obra é nada mais nada menos que a biografia de Beethoven, ou, mais genericamente, a história de uma busca, a busca por felicidade.
Os três primeiros movimentos são o período pré-surdez.
No quarto movimento, ela acontece, a surdez. Não à toa, este movimento tem passagens muito parecidas com algumas do primeiro. Uma espécie de renascimento.
A melodia dominante na Ode à alegria é a expressão da felicidade, espalhada em muitos momentos de alegria. É, claro, uma retomada de algo que era perseguido nos movimentos anteriores, mas não era encontrado. Entrevia-se, no máximo esboçado. Ou seja: Beethoven, como muitos de nós, passou a juventude e a idade adulta buscando a felicidade, para só na maturidade encontrá-la, pasmem, como que perdida no passado. É na surdez que ele se descobre um homem feliz, e, uma vez mais não à toa, é no meio do quarto movimento, o movimento da surdez, que se dá a ver o coro, como a primavera sonora que devia ser a memória do Beethoven surdo. A explosão de sons do quarto movimento, o coração de Beethoven.
É isso. Espero desenvolver futuramente isto aqui.
Tchüss!

  

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

DE TODA AÇÃO

Escrevi aqui, três ou quatro posts atrás, sobre a ação aberta e a fechada: não, eu não ignoro o fato de que em certo grau toda e qualquer ação é aberta. É como eu disse: em certo grau. É impossível prever todos os desdobramentos de qualquer ação que se tome. Sim, eu sei disso. Mas... há ações com resultados mais previsíveis que outras, e há ações em que o ator intenta algo mais fechado. Forçoso é observar que se o ator intenta algo mais fechado, por meio de uma ação com resultado pouco previsível, ele está sendo mau administrador. Simples assim. Mas se ele  busca algo mais fechado por meio de uma ação testada e testada, ação com resultados razoavelmente previsíveis; ou se, por outro lado, ele intenta algo mais aberto, por meio de uma ação com maior pluralidade de resultados previsíveis, e/ou com um risco maior, isto é, com maior amplitude de desdobramentos desconhecidos e não-estimáveis, então: ele está sendo coerente. Ponto. Por enquanto.

sábado, 12 de outubro de 2013

MOMENTOS-CHAVE

Falei, no último post, em "momentos-chave". O que seriam eles? O que determina a sua especificidade?
Tentarei responder.
Na vida do dia a dia, são raras as situações em que algo de realmente vital está em jogo. Tudo bem, isso pode acontecer numa entrevista de emprego, e é uma coisa bem comum, entrevista de emprego. Nela, temos de vender o nosso peixe bem vendido, senão podemos nos ver em sérios problemas, até para comer. Mas, é possível barganhar com a situação, não dar de tudo para ela, não ceder demasiado, não trabalhar, não suar tanto assim. E assim são a maioria de nossas empreitadas: nós podemos nos esconder, ao menos parcialmente, delas; podemos só dar um tanto, guardando outro. Pois bem. Ocorre que nem sempre a coisa acontece desse jeito: há situações em que temos de nos armar com tudo o que temos, e expor o peito à espada do inimigo. Essa é uma característica do momento-chave. Cito como exemplo o caso do personagem de Will Smith no filme A procura da felicidade. 
Continuando, nos momentos "comuns" nos permitimos pequenas faltas morais, sabendo que seremos perdoados no tribunal da própria consciência. Nada de tão sério está em jogo, uma mentirinha aqui, um tropeço ali, um gole a mais, um beijo a mais, etc. Mas no momento-chave nada mais nada menos do que a vida, com tudo que nela há, é o que está em jogo. Cito dois exemplos históricos: o de Walter Benjamin, filósofo judeu alemão que se suicidou (com um tiro) para não ser capturado pelos nazistas, e o de Vercingetorix, líder da insurreição gaulesa em 52 a.C., que pôs a própria vida nas mãos de seus comandados, oferecendo-se como vítima expiatória a Júlio César, caso eles, seus comandados, decidissem não mais lutar. Eles o entregaram, de fato, e vivo, e Vercingetorix agonizou por lentos seis anos na prisão romana, até morrer, provavelmente estrangulado. Ora: temos aqui dois homens vivenciando momentos-chave por definição, momentos em que não há como barganhar, não há como "guardar uma carta na manga", pois temos de usar tudo, e tudo está em jogo.
Claro que sei que num mundo como o nosso, opaco, um momento dito "comum" pode gerar consequências de máxima importância, mas o fato é que isso não é uma mera possibilidade, estatisticamente pequena, no caso do momento-chave. Isso é, nesse caso, uma certeza. E como certeza não permite que nos enganemos e fujamos dela. Não há enganar-se. Não há fuga. Eis o momento-chave.


domingo, 6 de outubro de 2013

RADICALISMO SARTREANO

Jean-Paul Sartre, em sua conferência O existencialismo é um humanismo, defende a tese radicalíssima de que "todo homem, ao se escolher, está a um só tempo escolhendo toda a humanidade", não exatamente com essas palavras, mas com esse sentido. Complicado. Me lembra Kant, que afirmava que o homem deve agir de modo a que se possa extrair de toda ação sua a máxima (moral) relativa à situação que a enquadra. Complicado outra vez. Trata-se, como se vê, grosso modo de dizer a mesma coisa servindo-se de palavras diferentes. Muito bem. Ocorre-me que eu, pobre e reles humanoide, frequentemente estou cansado demais para escolher toda a humanidade, e/ou para engendrar máximas morais com as minhas ações, e esse é o meu ponto aqui: a vida nos verga, não somos super-heróis, santos, ou coisa que o valha. Em muitos casos, talvez a maioria, só queremos escolher a nós mesmos, só respondemos por nós mesmos, e ainda assim com uma certa esperança de encontrar uma lei branda. Haverá sim momentos em que teremos de escolher toda a humanidade, mas esses são os momentos-chave, assunto para outro post. Nas demais situações nossas escolhas têm um escopo limitado, bem limitado. 

domingo, 29 de setembro de 2013

TIPOS DE AÇÃO

Queiramos ou não, existem basicamente dois tipos de ação: a aberta, e a fechada. Nesta última, vc procura um resultado que tem uma amplitude de derivações pequena. Explico: se castigo meu filho num dia específico, por uma causa específica, tenho, necessariamente, como objetivo ele não cometer mais o mesmo erro, e talvez generalizar e deixar de cometer outros erros, parecidos ou não. Esta é a ação fechada. Mas se procuro limitar minha ação educativa, com relação a meu filho, se deixo-o mais solto, é forçoso considerar que meu objetivo é mais amplo: posso querer que ele aprenda a administrar sua liberdade, que desenvolva sua personalidade de modo menos amarrado, etc., mas o que sou obrigado a admitir é que o resultado disso não está no horizonte. Não dá para estimar razoavelmente aonde ele irá. Esta é a ação aberta.
Pois bem. Escrevi aqui, há pouco tempo, que o escritor deveria procurar trazer entendimento, e não simplesmente tiranizar o mundo querendo vesti-lo com a roupa que ele, o escritor, "tricotou". Repetindo: o escritor não deve querer "mudar o mundo". É fácil objetar que qualquer interferência, seja declaradamente para mudar, seja para trazer entendimento, se for efetivada trará alguma mudança. Isto é inevitável. Sim: concordo. Mas se vc, escritor, buscar uma atitude aberta, isto é, com uma grande amplitude de derivações possíveis, vc estará num caminho mais saudável que o da atitude fechada, já que falamos de um público que, se tudo der certo, lerá o que vc escrever, ou seja: é um alvo de comportamento imprevisível. E quanto mais numeroso, mais imprevisível. Como a História nos mostra que os "grandes feitos" históricos acabam por engolir seus protagonistas e transformam-se na negação do que afirmavam de início, parece-me sábio... abrir o campo de ação, aumentar a amplitude, e deixar o mundo responder sendo mundo, o que ele, inevitavelmente, fará de qualquer jeito.    

terça-feira, 24 de setembro de 2013

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

PEQUENO PENSAMENTO DERIVADO DE UMA DIFICULDADE...

Vive a vida, é tudo o que digo. Vive-a com tudo o que ela trouxer. Vive o bom e o mau, o melhor e o pior, e nunca, nunca te negues a lutar, não te escondas de nada, não abraces nenhuma ilusão pretensamente salvadora: o que te salvará será, tem de ser, o teu agir. Sempre.

sábado, 14 de setembro de 2013

UM ANJO

Olha em meus olhos, anjinho,
Ou pousa tua mão delicada no meu lado esquerdo:
Tanto faz: é sempre a mesma pulsão,
Doída e desesperada,
De te ver sair, e mergulhar no mundo
Do incerto, do "quem sabe voltar a ver"...
Não suporto.

És tão, tão linda, anjinho,
Frágil e pequenina, tal flor recém-colhida,
Que me dá uma loucura de abraçar-te, e beijar-te ensandecido...
Voltarás um dia?
Estarás casada, com filhos, torradeira, carreira executiva, insights e cheque especial?...
Confesso: podia esperar-te três ou quatro séculos...

Mas tu foste embora, e não mais te vi...

Será que tomarei coragem, quando voltares,
E mostrarei aos teus olhos ainda tão juvenis
O quanto este verde par de velharias
Sofre por te ver?

Não sei.

Deveria?
Talvez.

Mas deixo, e é uma certeza,
Aqui este poema,
Para que em algum lugar, algum anjo de fato e de verdade
Concorde com ele e faça-o chegar até os teus ouvidos:
Seria como erguer uma ponte
Por sobre a solidão inexorável.

A GRANDE MISSÃO

Disse aqui, tempos atrás, que o escritor não deveria querer mudar o mundo. Então: o que deve querer o escritor?... Pensei um tanto a respeito, e cheguei à conclusão de que ele deve querer, simplesmente, trazer entendimento, isto é, contribuir para uma maior compreensão de nós mesmos, e de nosso mundo. Isso pode significar problematizar, mais do que explicar, e expressar, mais do que argumentar. De todo modo, com tal objetivo em mente ele, o escritor, certamente terá uma relevância maior do que se agisse infantilmente, perseguindo uma quimera cujas implicações a História já mostrou que extrapolam todo e qualquer planejamento e/ou estimativa, e acabam inevitavelmente corrompendo os ideais que a alicerçavam, de início.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

INFRA / SUPERESTRUTURA

As mulheres talvez não façam ideia do poder que têm nas mãos. Ou melhor: nas pernas. Entre.
Me explico: ontem, indo "bandejar" (não, não é basquete. Tava indo pro restaurante da faculdade, jantar), passei em frente à biblioteca e ali, num dos bancos de concreto, eu simplesmente vi uma moça de shortinho, com uma perna dobrada, pé em cima do banco, e a outra razoavelmente afastada, pro outro lado. Sim, pode-se dizer: de pernas abertas. Quase tive vertigens. Era uma bela moça. "Isso não se faz", pensei, ou, "Assim você mata o peão", e etc.
Indo adiante. O fato é que isso me fez pensar, indo bem adiante, que apesar de tanta cultura, ainda somos fundamentalmente seres biológicos. Dá, sem muita perda ou distorção, para adaptar o par- infraestrutura / superestrutura - marxiano, usando-o para nos explicar sob uma ótica diferente: nossa infraestrutura é biológica, e nossa superestrutura é cultural. Ocorre, no entanto, que a superestrutura promove deslocamentos e adaptações diversas em seu alicerce biológico, gerando um sistema mais complexo do que o binômio pode sugerir. Traduzindo: não é só o que está entre as pernas da fêmea que excita o macho, mas pode ser um sorriso, um jeito de tombar a cabeça, uma meiguice, etc. (encantos que podem ser vistos também como biológicos, mas que têm uma carga de convenção em si, de construção cultural, que me faz colocá-los na superestrutura). Sim, tudo bem. Eu precisava fazer essa concessão. Contudo, como eu disse, a infraestrutura é o biológico, e ao que tudo indica continuará sendo. Assim: nada exerce no macho um poder mais escravizante do que o entrepernas feminino, e seguirá exercendo, enquanto formos humanos.   

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

SARTREANDO

Sartreando: não escolhemos de acordo com uma personalidade nossa que anteceda a escolha: são as escolhas que determinam a personalidade. O que quer dizer que cada escolha é feita apoiada numa base singular, isto é, há considerável variação de uma para outra (memória, estado afetivo, conhecimento de si, conhecimento do mundo, etc., apresentam uma configuração única; jamais se repete), às vezes mais racional, às vezes mais passional, e sempre atrelada à situação.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

UM POEMA PARA A ÁGUA

                                                               gosto de mirar as ondulações
                                                               que o vento produz ao roçar a água;
                                                               vibram-me silenciosas canções,
                                                               e vou-me a pensar simplesmente em nada...

                                                               gosto de ouvir o barulho do mar
                                                               acariciando bruto a areia,
                                                               bate-me suave e triste uma calma
                                                               de sermos um só, eu e a Natureza...

                                                               gosto, no calor, de molhar o rosto
                                                               e deixar o frio amansar meu corpo...
                                                               são os belos lugares feitos d’água

                                                               que eu pude, desinspirado, compor,
                                                               só pra lembrar, com todo meu ardor,
                                                               que a vida, pra vingar, há que regá-la.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

PODER / DEVER - Parte II

Quando se adquire um determinado poder, imediatamente surgem deveres ligados a ele. Isso é moral. Isso é uma consequência de se viver em sociedade. A amplitude e o nível de comprometimento que eles, os deveres, exigem varia, mas é certo que quanto maior o poder, maiores a amplitude e o nível de comprometimento.
O sono daqueles que podem fazer a diferença positivamente é a grande chancela para a iniquidade.

PODER / DEVER

É uma equação a que poucos prestam atenção: para que se possa atribuir a um indivíduo o dever de realizar a ação A, é necessário que ele tenha poder para realizá-la. Este poder - com o perdão do pleonasmo - pode ser exíguo e levar o indivíduo à exaustão após realizar a ação A, ou pode ser largo o suficiente para que ele a realize sem se destruir, ou onerar demasiadamente. Assim, um conjunto de deveres só se viabiliza se os indivíduos sobre os quais ele incide têm poder numa escala que possibilita o atendimento, sem esgotamento. Historicamente, as relações senhor e escravo tendiam a não respeitar essa regra, bem como, algumas vezes, a de Rei e súditos. Muitas sublevações se deram em razão disso.
Deve-se observar ainda que a situação em que o poder dos indivíduos extrapola o conjunto de deveres numa amplitude mediana é a mais saudável, politicamente. Eles, por assim dizer, devem esgotar-se medianamente no cumprimento dos deveres, impossibilitando e ao mesmo tempo desestimulando a revolta. Impossibilitando porque estarão "cansados" demais para ela, e desestimulando porque não terão razões muito fortes para "comprar a ideia" dela.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

DO HUMANO

A dignidade tem essa característica: aqueles que, uma vez tendo-a perdido, voltam a recuperá-la, agarram-na com tal vigor, que acabam morrendo abraçados nela.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

DO ESSENCIAL

Conhece-te a ti mesmo. Mas não te esquece de expandir-te, e de adaptar-te aos ventos e às marés. Sem perder-te jamais.

sábado, 17 de agosto de 2013

O COMPORTAMENTO META

É muito comum hoje em dia, especialmente em ambientes intelectualizados, a adoção de um comportamento "meta", isto é, um posicionamento projetado para fora da própria cultura, relativizando tudo, e como que olhando de fora, um olhar "meta": meta-cultural, meta-ideológico. Desse modo, as culturas se equivalem, e a pessoa se exime de julgar, pois isso seria impor ao objeto do julgamento uma base que ele não adota para si.
Pois bem. Ocorre que a experiência - o lugar onde nascemos, quem foram nossos pais, a educação que tivemos, etc. - nos marca indelevelmente, e por mais que tentemos nos posicionar "de fora", isso é certamente uma atitude artificial, na melhor das hipóteses um esforço cujo fracasso a pessoa esconde. Ela aprovará ou não determinado comportamento, ideia, opinião, quer queira, quer não. Em suma, ela julgará, inevitavelmente.
Isso posto, creio que devemos tentar compreender, e não anular, ou evitar o próprio julgamento. Devemos ter consciência, sim, de sua contingência, de sua dependência de circunstâncias carregadas de arbitrariedade. Mas não podemos fugir dele, porque isso seria a negação da própria experiência, e é ela, em grande parte, o que nos faz o que somos.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

OBJETIVAR-SE

O homem é presa de si mesmo, quando objetivado por condições criadas subjetivamente.
Explico: acontece quase sempre de um indivíduo forjar uma situação para si mesmo, empenhando força de vontade e toda sorte de meios, lícitos ou não, e de repente: heureca! A situação como que se fecha em torno dele, não o deixando sair mais.
Isso é, para ser sucinto: objetivar-se.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

SAPOS-BOI

A última vez em que prometi estar fazendo algo pela última vez... Espera, não foi bem assim. Foi depois. Eu prometi que aquela vez, dias antes desse da promessa, haveria de ser a última: tratava-se de engolir um sapo-boi. Eu tinha engolido vários, numa sequência. O fato é que está fazendo 10 anos agora em 2013, e eu continuo cumprindo com a promessa. Pra dizer a verdade, ainda não fui testado com rigor, mas... alguns testes meio que duros já aconteceram.
Não sou, no entanto, idiota ao ponto de achar que vou conseguir cumprir até o dia de me despedir de vez daqui. Apenas sigo afirmando a intenção de lutar.
É simples: dignidade. Ninguém vive sem isso.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

UM APRENDIZADO

É inviável esperar o fim dos problemas para se começar a aproveitar o tempo e a vida. É preciso aproveitar o tempo e a vida em meio aos problemas.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

CONCLUSIBILIDADE

Quando eu era mais jovem, era relativamente fácil apontar razões e significados para as coisas. E eu tinha uma certeza quase sempre radical delas.
Hoje, aos trinte e seis anos, tudo se tornou tão complexo, há sempre um embate de razões para todo e qualquer fenômeno. A conclusibilidade das coisas vai se rarefazendo, vai se tornando um ponto perdido num horizonte de conjeturas, de silogismos, de induções e deduções...
Quanto mais estudo, mais sei, e menos posso afirmar...

domingo, 28 de julho de 2013

CARLO EMILIO GADDA

Acabo de terminar a leitura de A Adalgisa - Quadros milaneses, de Carlo Emilio Gadda. São contos, no mínimo inusitados, vão e vêm no tempo, e no espaço, e nos eventos, com uma linguagem que no começo parece pedante demais, mas que depois, conforme notamos que o autor sustenta o estilo, se afigura original, forte, mais do que isso: pujante. E tudo isso para não falar na deliciosa ironia de Gadda, seus eufemismos sarcásticos, seus neologismos satíricos.
O livro, ao percebermos que há uma continuação entre os contos, que personagens se repetem, e eventos se encadeiam, poderia ser considerado um romance fragmentário, uma espécie de crônica de Milão, da Milão do início do século XX. E quanta acidez ao descrever essa cidade tão presente nos sonhos dos peregrinos...
Leitura fundamental.

terça-feira, 23 de julho de 2013

O SOCIAL NA ARTE

Começo a trabalhar com mais afinco o social, na minha poesia. Por aqui, dizem os críticos que todo artista que se preze acaba se obrigando a fazê-lo ("se obrigando", claro, se isso já não é natural em sua linha de trabalho, no, por assim dizer, movimento de sua inspiração...).
E a preocupação com o social, pra dizer a verdade, se no início não era grande em meu dia-a-dia, atualmente vem crescendo consideravelmente.
O espanto: como assim não era grande?!

sábado, 20 de julho de 2013

FRASES...

"Um grande livro é um grande mal" - Calímaco de Cirene

O livre-arbítrio é um grande livro.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

UM MÉTODO

Parece que estou encaixando um método: fixar um ponto de partida, o mais das vezes um núcleo, uma ideia central, autobiográfico, e então enformar, daí, uma peça literária que funcione enquanto tal, isto é, que não seja mera recordação.
Na verdade, vou escrever o "Decamerão da minha vida", cem contos, segundo esse método. Dez já estão prontos, e a maior parte deles já postei aqui. Dos outros noventa já tenho as ideias, falta apenas sentar e escrever. Pois é.

sábado, 13 de julho de 2013

RECEITUÁRIO HORACIANO

E mesmo quanto a fazer literatura, o maior e melhor receituário talvez seja a Epístola aos Pisões, também chamada de Arte Poética, de Horácio. Pois é.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

DE RECEITUÁRIOS...

Estou escrevendo uma espécie de "receituário para sobreviver no mundo-cão." São máximas e conselhos, amorais. Pautados pela eficiência. Pronto. Confessado.
Li, hoje mesmo, no blog da Cia. das Letras, a frase escrita por Leandro Sarmatz, acerca de Italo Calvino: "inteligência sutil e penetrante jamais se colocaria a serviço dessa tarefa [ a de escrever um receituário ]".
Ora, fiquei me perguntando acerca da "tarefa": receituário para fazer literatura, ou qualquer tipo de receituário? Se for o primeiro caso, apoio. Se for o segundo...
Parece óbvio, não é?
E ademais: vá ler Sêneca, ou Cícero, para ver que o "receituário" tem estrada, e não é sem qualidade...

sábado, 6 de julho de 2013

PODE SER, PODE NÃO SER...

A esmagadora maioria das situações que a gente experimenta na vida tem esse caráter: elas podem decorrer de A, ou de B, ou de...; elas podem significar C, ou D, ou...; elas podem, enfim, ter como solução E, ou F, ou...
A gente fica na dúvida, e tem de trabalhar com hipóteses, o tempo todo, e isso me angustia de tal maneira, que vou acumulando tiques nervosos, que tento disfarçar, mas nem sempre consigo...
Ó Pai: mandai algo unívoco!

quinta-feira, 4 de julho de 2013

REALIDADE TOTALIZADORA

Li, há uns dois ou três dias, a expressão "realidade totalizadora" num texto de crítica, e fiquei a pensar. Não é a primeira vez que me deparo com ela, mas agora, somente agora, depois de anos de leituras e ruminações, ela se me afigura em toda a sua estranheza: como pode haver isso, "realidade totalizadora"? Uma moldura, onde tudo se encaixe, na nossa apreensão das coisas? Uma coerência abarcando tudo o que existe para nós, uma organicidade? Quer me parecer que as duas coisas são impossíveis...
Depois de matutar um pouco, chego à constatação de que enxergamos aspectualmente, de que entendemos aspectualmente, de que amamos aspectualmente, etc...
Nossa consciência é fragmentária. Não há moldura, nem fio de Ariadne. 

sábado, 29 de junho de 2013

FUNÇÃO

Certos personagens, sobretudo nos contos breves e nas novelas, não requerem uma personalidade, mas sim apenas traços funcionais. Não é exatamente o velho conceito de "personagem plana", pois esta última pode ter elementos não funcionais, elementos estritamente composicionais, isto é, traços de personalidade independentes do enredo. Os traços funcionais a que me refiro são desenvolvimentos do enredo, estão acoplados nele totalmente. Em suma: a personagem é uma função.
Não saberia apontar exemplos na literatura universal, mas na minha própria esse tipo de personagem tem aparecido constantemente. Será que o inventei?
Claro que não.

domingo, 23 de junho de 2013

QUANDO EXPLICAMOS...

Quase sempre, há mais de uma explicação para a atitude de alguém. O que ocorre é que se esse alguém é amigo, escolhemos, dentre as disponíveis, a melhor explicação, e se ele é inimigo, escolhemos a pior.
A explicação objetivamente adequada só é viável partindo de quem não tem nenhuma relação afetiva com o(a) analisado(a) (lembrando que inimizade é um tipo de relação afetiva...).

sexta-feira, 21 de junho de 2013

A QUE MATOU O GATO...

A curiosidade é um componente do afeto, seja ele direcionado ao que for.
Um marido sem curiosidade por sua esposa, ou vice-versa, é um sinal claríssimo de que a coisa está indo para o brejo.
Um homem sem curiosidade por seu entorno, ao menos por seu entorno, está perto de dizer adeus ao mundo. Pode ser que não saiba, mas está.
É preciso ser curioso, mas de modo saudável. Não são necessárias maiores explicações.
Ame o mundo.

domingo, 16 de junho de 2013

SAUDÁVEL LIMITAÇÃO...

Revisando meu romance. Descobri que preciso cuidar bem dele, porque vai ser filho único. De prosa, daqui por diante, só contos.

domingo, 9 de junho de 2013

STEREO FRANZ

Uma peça, ou, mais geralmente, uma obra de arte, para ser de fato significativa deve: a) tocar num ponto importante da vida humana; b) não se resolver por inteiro num esquema; e c) os elementos que a impedem de se resolver por inteiro devem passar ao espectador/leitor a sensação de que estão ali porque têm de estar, isto é, a obra deve ter organicidade.  
Stereo Franz, peça de teatro de 2012, e que, ao que tudo indica, vai abrir temporada brevemente em São Paulo, cumpre com esses três critérios belissimamente. Acabo de assistir a ela ("ensaio" aberto, para alguns convidados, e eu de penetra), e estou de queixo caído. Só posso dizer: do caralho. 
Assista, quem puder.

domingo, 2 de junho de 2013

POEMAS, DE BERTOLT BRECHT

Acabo de ler a coletânea dos poemas de Brecht, da editora 34.
Estou, simplesmente, maravilhado. Quanto despojamento, e ainda assim eficácia poética!
Brecht queria falar para a gente simples. Seus poemas são limpos, claríssimos. E acompanham a sua história (o que, a meu ver, é grande mérito).
Leia, quem puder. O livro se chama Poemas 1913-1956.   

quinta-feira, 30 de maio de 2013

sábado, 25 de maio de 2013

JUVENTUDE F. C.


Juventude F. C.

O campão do Parque Hotel... Ele abaixa, cata uma pedrinha. Toma distância pra cobrança, a barreira logo ali, perto demais – “Eles tão vindo pra frente, ô juiz!” –, e bate... A pedrinha em três ou quatro quiques cruzando a linha do gol, imaginária, que o chão é de terra, e não há marcação. Gol do Juventude... Corre pro centro do campo, os amigos o cumprimentam – “Valeu, Alessandro!”. Placar: doze a cinco. Pros adversários. Restam, no entanto, pouco mais de vinte minutos – “Dá pra virar, dá pra virar!...”. Chuta outra pedrinha. Olha a um canto, na cerca – “Fecharam o buraco...”. Era por lá...
Dia de treino. Amanhã, às três, é jogo contra os moleques da favela lá de baixo. Seu Honório, vizinho deles da Rua Venezuela, e já um velhinho aposentado, aceita o convite pra ser técnico do Juventude. Está lá, entrando no campão, como todos, pelo rasgo na cerca, feita de arame em tela, se arrastando – “Ai...” – ele reclama... mas consegue. Lá dentro, o rodeiam – “Seu Honório, quê que o senhor acha da gente usar um líbero?” – “Seu honório, um vai ter que ficar na reserva.”. Ele apenas olha... – “Hã, líbero? É...” - e olha apenas pra bola... – “Dê cá ela, um instantinho.” – e pede que o goleiro se aprume lá debaixo das traves. Dá uma ajeitada com todo cuidado, limpando as pedrinhas em volta, toma distância... e chuta... pra fora. Pede-a novamente – “só mais uma.” – e desta vez, ela encobre o goleiro... – “Seu Honório, o senhor jogava futebol?” – “Hã? hein, jogar?... assim, que nem vocês...” – e baixando a voz... – “Faz muito Tempo...” – “Mas seu Honório, e o líbero?” – “Líbero?” – “É, a gente podia usar um líbero.” – “Ah, sim! acho bom, muito bom...” - e correndo os olhos lento pelo campão – “Líbero...”. O treino: o ataque contra a defesa, e a tática eles mesmo decidindo, que seu Honório só senta à beira do campo, ao pé duma árvore, e fica lá... Olhando tudo calado, na sombra.
No dia do jogo, de manhã, Alessandro vai à casa de seu Honório, pra lembrá-lo. Lá o velhinho o recebe, e desculpa-se que não poderá ir, que a esposa teve febre durante a noite, e terá que cuidá-la. Nada de técnico... Volta pra casa. Depois do almoço, o irmão é outro: brigam, e resolve não jogar. Nada de goleiro... Vai sozinho, e à uma, hora combinada, está lá, sentado ao lado da trave, esperando os outros. Logo chega o Vaguinho, atacante, meia-direita e ponta-que-sobra, com a bola e os uniformes, e o irmão mais velho, que veio apitar – “Ué, cadê seu irmão?” – já vem perguntando – “Não quer jogar.” – “Vamos lá falar com ele.” – “Não adianta.” – “A gente vai jogar sem goleiro, então?” – “E o Fabiano?” – “Tá sumido. Faz tempo...” – “Sabe onde ele mora?” – “Sei.” – “É longe?” – “Não. É aqui no bairro. A gente pode ir lá chamar ele, é verdade.” – “É, ué. Não custa nada.” – “E o resto?” – “Eles esperam a gente aqui, seu irmão explica.”. Correm à casa dele, que é furão, e às vezes é também a única esperança de alguém debaixo das traves. Chegando lá, estranham... tem um homem de olhos vermelhos na porta – “É o pai dele...” – o Vaguinho murmura... e um pessoal saindo e entrando de lá, sempre o cumprimentando, com ar sério, parecendo triste. Ficam, os dois, um tempo quietos, sem coragem de perguntar, até que o Vaguinho, que é mais de casa, se aproxima – “O Fabiano tá?” – “Tá, tá lá dentro. Entra...” – entram, e descobrem que a mãe dele morreu. E gelam – “É verdade... ela tava doente...” – Alessandro se lembra. Ele aparece – “Fala... que foi, tem jogo?” – “Não! tem não.” – emendam rápido – “A gente só... resolveu... dar uma passadinha aqui...” – “Ué, e cês tão de uniforme por quê?” – “...” – “Querem que eu agarre?” – “Não, acho que não... não precisa...” – “Eu vou lá. Peraí.”. Corre dentro do quarto, buscar a camisa de goleiro. Quando volta, já a vestindo, arriscam os pêsames, e ele aperta rápido as mãos que estendem, olhando pro chão – “Vamos, vamos lá. Que hora é o jogo?” – “Três...” – “Beleza. Dá tempo.”. No campão, o resto do Juventude, o juiz, e a molecada da favela lá de baixo, o adversário, que montava time sempre ali, na hora, com quem viesse, e não tinha nome. Quando Alessandro, que anotava todos os resultados num caderno, com escalação e tudo, inclusive especificando o autor de cada gol, foi perguntar-lhes o nome do time, caíram na risada. Um deles respondia – “Põe aí: sónabuceta!” – e gargalhavam. A administração do hotel, apesar de normalmente cobrar pelo uso do campo, meio que fazia vista grossa pros jogos da garotada, desde que não fizessem barulho, que incomodava os hóspedes. Era difícil, um dos motivos o craque deles, o punheta, que era fominha que só, sendo um tal de – “Tóoca punheta!” – e – “Porra punheta!” – e – “Caralho punheta!” – durante o jogo, que era freqüente um funcionário vir interromper, dizendo que os hóspedes estavam reclamando. Esse era o adversário: sem nome e sem camisa, só palavras chulas. E goleada. Mas enfim: bola ao centro. Começa o jogo... Sofrem um gol. E depois outro. E depois outro. E depois... Placar final: dezenove a seis. Mais um pro caderno de Alessandro, onde já constavam um dezoito a zero, e um vinte e um a um... Voltam pra casa até que felizes: fizeram seis gols!...
Ele ri. Chuta uma última pedrinha, e se dirige à entrada do hotel. Lá, pergunta ao homem detrás do balcão se pode fotografar o campo. O homem ergue a cabeça, medindo-o de cima a baixo – “Ué... e pra quê?” – “Só de recordação. Vinha jogar bola aqui sempre há... Bom, há treze anos atrás...” – “Ah... sei... tá, vai lá. Fica à vontade.” – “Obrigado, hein.”. E volta ao campão, bater suas fotos.

O leitor me desculpe: relendo meu conto, percebo que não tem uma unidade, não tem coesão, e leva nada a lugar nenhum. Mas, querendo alterá-lo, não posso. Me parece que digo o que é necessário, tudo e apenas. São recordações do campão... Recordo derrotas homéricas? Não: recordo seu Honório, que aliás não tinha esse nome, e o verdadeiro o esquecimento já me levou; recordo Fabiano – dele dizer o quê... – e a molecada da favela lá de baixo; e recordo, sobretudo, o Juventude Futebol Clube, que do nome só tinha a juventude, pois não era clube, sendo mínimo o futebol. Na verdade, éramos só um bando de perebas, excluídos das aulas de Educação Física, que não se cansavam de perder e, no fazê-lo, aprender um pouquinho que fosse. Saudades.

sábado, 18 de maio de 2013

VIDA


                                                                 VIDA

                                                               Ela chegou assim, de manhãzinha,
                                                               aérea e leve, misturada ao toque morno
                                                               do sol que despontava: ela chegou,
                                                               e aos poucos vem me dando casa...

                                                               No rosto, traços de um país distante,
                                                               e no nome um delicioso gracejo...

                                                               Se eu me ocupava com outras rimas,
                                                               em alpinismo desesperançado,
                                                               posso, agora, fincar o meu traçado
                                                               em mais quotidianas linhas:

                                                               as que um sorriso faz,
                                                               as que, ponto a ponto, vão se firmando,
                                                               quando olhar encontra olhar...

                                                               E assim termino este poema:
                                                               com a lembrança de algo que se inicia,
                                                               sempre que os tenho, os olhos dela,
                                                               me procurando pelas cercanias:
                                                               uns chamam um tipo de jogo
                                                               – eu chamo um tipo de vida.   

terça-feira, 14 de maio de 2013

NA PRAÇA DO RELÓGIO


Na Praça do Relógio

...Na sala de aula, certos arranhões no revestimento da parede lembram os rastros de espuma deixados por um barco nas águas duma baía, outros uma nebulosa ou a própria Via Láctea vista de fora, e outros ainda os grandes lábios de Janaína. No batente da porta, há teias e uma pequenina traça enfurnada numa ranhura da madeira. Engraçado... – “Será que as aranhas não comem as traças?...” – pensa consigo. Inspira fundo... – “E a Via Láctea vista de fora?... Como eu sei isso?... De onde veio a imagem que tenho na cabeça?...”. Expira. Vasculha a memória... – “Talvez uma foto de revista... Com certeza uma simulação... Não dá pra mandar satélite pra fora da Via Láctea...”. Inspira... – “Ou será que dá?”. Medita um segundo... Expira – “Sei lá.” Abre um livro. Doutro lado da sala, um de terno e gravata cochila com a cabeça caída sobre a maleta; lá no fundo, duas outras, uma de saia, outra sem sutiã, discutem sobre o trabalho de fonética que é pra daqui a uma semana, e que ainda nem foi começado, e depois acabam emendando numa troca de receitas de pudim; e mais ninguém. Há rumores de greve, e em situações como essa, sobretudo em noites de quinta-feira, é comum os alunos receberem em seus joelhos a visita duma súbita fraqueza, e então darem o sinal ao ônibus errado, e baterem em casa mais cedo. Fecha o livro, abre o caderno. Rabisca um desenho. Lembra de quando desenhava... Faz muito tempo. Na infância, seus cadernos eram cheios de desenhos de animais selvagens, super-heróis, paisagens... Rabisca um rosto de mulher. Começa pelo nariz (ele sempre começa rostos pelo nariz...), em vista diagonal, uma curva suave terminando num pequenino triângulo, depois o queixo... Pára um segundo, examinando o que fez... – “Deixa pra lá...” – murmura. Abre o livro – “Mal chegou, Drogo apresentou-se ao Major Matti...”. Um ruído de passos incrivelmente decididos vem chegando lá do fundo do corredor e já cruza a porta. Ergue a cabeça: lá estão três membros duma chapa que concorreu e não venceu a última eleição pro Centro Acadêmico... Recebe um panfleto. Um de bigode fala, enquanto o de terno e gravata agora cochila de olhos abertos e as duas trocam receitas por telepatia. Constrange-se e presta atenção ao que o homem diz... Está chamando a todos prum ato na Praça do Relógio, um ato de repúdio à política do reitor que não contrata novos professores, um ato de repúdio à política do estado que não cede aos pedidos de aumento da cota do ICMS pras universidades, por fim um ato de repúdio à política imperialista dos EUA... Ele fecha o livro, enquanto seis olhos acompanham seus movimentos – “Vamos lá, amigos?... precisamos reunir o máximo de alunos neste ato, é muito importante...” – diz o de bigode – “Claro, claro...” – ele responde, juntando seu material, e agora um ruído de seis pés incrivelmente decididos e dois adjuntos percorre os corredores da faculdade. Alguns dois outros alunos são pinçados em outras salas, e já estão nas escadas, fora do prédio. O de bigode propõe irem à ECA – Escola de Comunicações e Artes, logo ali – tentar reunir mais pessoal. Todos concordam. Vão descendo a avenida... o de bigode engatando uma conversa com o outro do grupo dos três, um sem bigode (o terceiro é uma baixinha, que leva uma faixa enrolada nas mãos). Parecem continuar algo que foi interrompido pelas visitas em sala... o de bigode – “Quanto àquela tese do Max Weber, que você falou, de que um país socialista só poderia ser administrado por uma burocracia, e que portanto não seria uma sociedade sem classes, pois haveria uma classe privilegiada, a dos burocratas do Estado, você precisa entender que não precisa ser daquele jeito. Se você pega a obra de Lênin, você vai ver o que eu tô te dizendo. O comunismo que a gente pretende não é aquele da União Soviética, é um comunismo diferente...” – “Sei...” – “É. É possível...” – “Mas seria algo conquistado por meio duma revolução?” – “É. Seria.” – “Tá, e o que vem depois duma revolução não é, via de regra, uma ditadura?” – “E nós vivemos o quê?” – e pára, acendendo um cigarro, mirando o alto, pr’além das copas das árvores. Dá uma tragada funda, depois soltando lento a fumaça – “É a ditadura da burguesia...” – diz, correndo a vista em redor, onde só há árvores, dormindo o sono apolítico dos vegetais.
ECA. O C.A. de lá não está colaborando, diz o de bigode – “Acham que os alunos estão em refluxo... essa é boa!”. Os dois alguns pinçados na Letras sumiram, mas o grupo dos três nem dá pela falta, e segue em frente. Os corredores, e salas, estão vazios. Num mural, o cartaz de Homens de papel, que será encenada no Teatro Laboratório. Finalmente uma sala com aula, em que uma numerosa dezena de alunos ouve letárgica o de bigode chamá-los ao ato na Praça do Relógio, e vai girando a cabeça, de boca aberta, como jacarés tomando sol à beira dum rio, enquanto o de bigode caminha até a porta – “Quem vai nos acompanhar nesse ato?... Alguém?... Pessoal, é muito importante a participação de todos, a nossa universidade está sendo sucateada... Bom, se alguém se interessar, pode nos alcançar no corredor, ok?... Brigado pela atenção.” – diz, e depois vira as costas, e fecha a porta, seguido pelo vácuo silencioso dos olhos lá de dentro. Continuam pelo corredor. Uma sala vazia, outra sala vazia, numa terceira um funcionário corcunda, vestido de azul, passando um rodo no chão. Levanta o rosto na direção deles – “Hã?... Cês tão procurando quem?... Ah... Iii... Tst, tst. Tem aula hoje aqui não, rapaz, só uma ou outra...” – diz, abrindo um franco sorriso de três dentes no rosto enrugado. Deixam-no... na última sala, pelo vidro da porta podem ver um professor velho e calvo, os parcos fios de cabelo completamente brancos, percorrer cuma aluna as linhas dum texto aberto no colo dela, enquanto outros dois apenas ouvem. O de bigode entreabre a porta, e pede licença pra falar rapidamente à turma. O professor assente. Entra, e fecha a porta, o resto do grupo ficando de fora. Fica lá alguns minutos e meio, enquanto observam, de fora, apenas os olhares baixos dos alunos, e do professor. O de bigode abre a porta pra sair, e podem ouvir o professor murmurar – “Boa sorte.” – antes que a feche. Terminadas as salas, deixam o prédio, e estão no estacionamento, lá no fundo o Teatro Laboratório, e à frente, o belo melancólico do vazio da Praça do Relógio. O de bigode se despede – “Bom, gente... é isso aí. Acho que duma forma geral a ação de hoje foi positiva, os alunos nos ouviram...” – “Tanto a Letras quanto a ECA tavam vazias...” – interrompe o sem bigode – “É, tavam... Acho que a gente pode com ações mais incisivas trazer mais gente e formar um movimento mais sólido, é só uma questão de continuidade no trabalho. O pessoal vai assimilando... Bom, eu vou caminhar até a História, alguém me acompanha?... Não?... Então até, pessoal, brigado pela participação, e a gente continua amanhã.” – e sai. Os outros dois, o sem bigode e a baixinha, estão agora de mãos dadas e só então ele percebe que são namorados. A baixinha senta num banco da praça, o sem bigode logo depois, passando o braço pelos ombros dela, e ele pode ouvi-los cantando enquanto se afasta – “Morte bela, sentinela sou, do peito desse meu irmão, que se vai...” – e circunda o laguinho, e pára. Um vento frio vem arranhar o rosto, enquanto apenas olha... longe, as luzes do Shopping Villa-lobos e das dezenas de prédios à beira da Marginal Pinheiros espalham-se pelo rio, e por um brevíssimo segundo, parecem compensar o céu sem estrelas, e sem lua.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

NO AR...

No ar, um gosto de espera,
de promessa de chuva e de verde;
no ar, teu nome, ritmado em meu peito...

como causa, e como efeito,
teu nome cerca minha noite e meu dia,
e dos vagões a mim atados, meu fardo,
ele, teu nome, suave me alivia...

Ah... Samira...
Teu nome eu respiro,
e no ar desse momento
consigo repelir o esquecimento,
do modo mais preciso:
sorvendo o ar de teu nome,
grudado às paredes e ao chão,
da falta em que habito.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

NÁUFRAGO


Náufrago

...Vem pela calçada, apostilas e resumos na mão, musiquinhas pra facilitar a decoreba no assobio. Passa a porta do cursinho, cruza a rua, e senta à porta do bar. Só mais essa vez, como sempre. O peso de oito horas de trabalho parece às vezes maior do que o peso de todo um futuro a escolher. Ou não. Vai ver que é do futuro mesmo que se foge. Enfim, suspira e pede uma cerveja. Dali cinco minutos, chega o amigo – “Mais uma!” – já vem pedindo. Termina um copo – “Só vou tomar essa, depois subo.” – diz, o amigo franzindo o pára-vento – “Ah!... Qualé?... Você não vai assistir aula da Ruth!”. É a de Literatura, algo de que ele gosta bastante, e hoje o tema é José Lins do Rego...
         Ela vai passar o Fogo morto...
         Ah, é?
         Tá na lista da Fuvest...
         Ah, é?
         Vou ver se consigo ler... minha única chance é a USP...
         Ô pedrão! vê mais uma?
Queria ter a inconsciência tranqüila e a aptidão alcoólica do amigo. Mal enche o copo, pede outra, entornando o primeiro:
         Ah!... hoje tá foda...
         Quinta-feira é foda....
         Depois de domingo e antes de sábado é foda...
         É...
         Se é...
Ombros, pernas e braços vão amolecendo...
         Preciso mijar...
         Vai lá...
O banheiro é uma privada branca por fora e marrom por dentro, sem pia. Ele abaixa a cabeça, o mundo dá uma girada meio brusca, ele tenta se apoiar na parede e sem querer aperta o botão da descarga. Um riso espirra por entre os lábios, depois outro, e quando vê está gargalhando... Volta:
         Quer saber, eu subo na segunda aula!
         Grande garoto! Aula da Ruth não dá...
         Me lembrei duma piada.
         Ôpa! manda. Pedrão!... siiipf!
         O português tava chamando o elevador...
Passa a aula da Ruth, depois a segunda, que ninguém se lembra mais de quem é, e estão lá, ele gastando todo o estoque de piadas que só agradam a bêbados, e o amigo rindo às lágrimas. Pode-se ver já um pelotão de marronzinhas sobre a mesa...
         Cara, me bateu uma fome... vou pedir um pastel.
         Pede dois...
Vem o pastel, vai o pastel, desce mais uma, sai pra mijar, volta...
         Cê vai prestar o quê mesmo?
         Engenharia.
         Civil?
         Civil.
         Difícil...
         É. E você?
         Tô entre Economia, Matemática, Física, Filosofia e História...
         Pfuvzzz!...
O amigo cospe a cerveja, e já estão rindo de qualquer coisa.
Onze horas:
         Preciso ir embora...
         Eu também...
         O negócio é pedir a conta...
         Pois é...
         Mais uma?
         A saideira...
         Pedrão! a saideira!
É a rodada das saideiras. Uma, duas, três...
         Pedrão! Agora a últchima.
         Com cherteza...
No ônibus, o cobrador diz que a passagem é dois e sessenta e ele não contém o riso:
         Dois e sessenta, é?
         É...
         Dou dois e sessenta?
         É!
E leva a mão à boca, sacudindo os ombros, em seguida respirando fundo...
         Se você dchiz...
E entrega o dinheiro, passa pela roleta e senta, controlando-se.
Em casa, todos já se deitaram. Sobe as escadas engatinhando, de repente as tripas parecendo sofrer um cálculo logarítmico, e um gosto de fagocitose vindo à boca... Corre ao banheiro, põe a cabeça na privada, e um trem vindo a cem quilômetros por hora, em superfície sem atrito, desliza pela garganta e espatifa-se na água. Pisca lento, duas vezes, observando o conteúdo... lê o futuro: fiapos de macarrão, cascas de lentilha, carnes moídas e cacos de berinjela – “É marcante a tensão entre o positivo e o negativo, entre formas lisas, suaves, e outras recortadas, agressivas...” – opina uma das namoradas de Pablito, quando este lhe mostra uma nova tela, no filme Os amores de picasso. – “Num dá pra entender nada. Acho que vou ser economista, ou crítico de arte.” Segue pro quarto. O que quer que estivesse na cama, foi ao chão. Deita, e está numa balsa, perdido em alto mar. As ondas batem na proa, e lambem o fundo, e o mundo balança... – “Uôoo...”. Uma mais forte golpeia a traseira, fazendo com que o barco embique na água... – “Uôôooo...”. Se debate e agarra à cabeceira – “Vai virar!” – por um segundo seu destino parecendo ser os tubarões. Até que as ondas vão, aos poucos, cessando, e o tempo azulando, e o mar respirando sereno, marolando na quina da cama, e pode largar a cabeceira, e fechar os olhos, e esperar um cargueiro, um coqueiro, ou quem sabe o dia seguinte.