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sábado, 26 de maio de 2012

UMA DESCOBERTA

De Paulo Honório para Madalena:

O POEMA DE CECÍLIA MEIRELES:

ELEGIA A UMA PEQUENA BORBOLETA

Como chegavas do casulo,
- inacabada seda viva! -,
tuas antenas, fios soltos
da trama de que eras tecida,
e teus olhos, dois grãos da noite
de onde o teu mistério surgia,

como caíste sobre o mundo
inábil, na manhã tão clara,
sem mãe, sem guia, sem conselho,
e rolavas por uma escada
como papel, penugem, poeria,
com mais sonho e silêncio que asas,

minha mão tosca te agarrou
com uma dura, inocente culpa,
e é cinza de lua teu corpo,
meus medos, sua sepultura.
Já desfeita e ainda palpitante,
expiras sem noção nenhuma.

Ó bordado do véu do dia,
transparente anêmona aérea!
não leves meu rosto contigo:
leva o pranto que te celebra,
no olho precário em que te acabas,
meu remorso ajoelhado leva!

Choro a tua forma violada,
miraculosa, alva, divina,
criatura de pólen, de aragem,
diáfana pétala da vida!
Choro ter pesado em teu corpo,
que no estame não pesaria.

Choro esta humana insuficiência:
- a confusão dos nossos olhos,
- o selvagem peso do gesto,
- cegueira - ignorância - remotos
instintos súbitos - violências
que o sonho e a graça prostram mortos.

Pudesse a etéreos paraísos
ascender teu leve fantasma,
e meu coração penitente
ser a rosa desabrochada
para servir-te mel e aroma,
por toda a eternidade escrava!

E as lágrimas que por ti choro
fossem o orvalho desses campos,
- os espelhos que refletissem
- voo e silêncio - os teus encantos,
com a ternura humilde e o remorso
dos meus desacertos humanos!





LITERATURA COMO UMA FORMA DE ASCESE

Escrever é muito, muito difícil. Escrever com originalidade, muito mais. Escrever com originalidade e beleza, uma tarefa hercúlea. E escrever com originalidade, beleza e acuidade (imprescindível na arte literária), aí... quase impossível. Mas há pessoas que conseguem. Pergunto: conseguirão sem esforço?
Há poetas - eu entre eles - que escrevem um poema em quinze minutos. Mas isso só acontece num estágio que sucede estudos prolongados e extenuantes, toda uma vida dedicada à descoberta e ao aprimoramento de uma voz literária. Uma vez encontrada essa voz, e lapidada, pode-se dizer que se torna mais fácil (menos difícil) a escrita (esclarecendo que não é porque determinada escrita se realiza rapidamente que se possa chamá-la de "fácil". Eu sou um que despendo uma quantidade enorme de energia em dez minutos de criação poética).
O fato é que são necessários anos e anos, décadas, para formar um escritor digno de ser lido. E uma solidão imensurável, toda uma gama de infelicidades e sofrimento que apenas em poucos casos acabam por se tornar benfazejos. Assim, se alguém enfim descobre que é um escritor, esse(a) "louco(a)" já está tão acostumado(a) a sofrer, que consegue (e só assim se consegue) enfrentar o processo de criação literária com "sucesso" (essa palavra tão na moda).
Ou seja: escrever é uma forma de ascese, e o artista da palavra tem de ser um asceta.  
O estudo escrito da alma humana só se transforma em arte após seu autor perder o que convencionalmente chama-se de felicidade (inclusive a esperança de). Após ele se metamorfosear completamente em freak. Após a vida, em quase todos os seus aspectos e vertentes, derrotá-lo inapelavelmente.
Só então ele vence.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

A RECHERCHE

Acabo de ler os sete volumes da Recherche. Um livro irrepetível (até porque repeti-lo não seria boa prática literária). Vale pra ele o que Pound disse do Shandy (conferir o ABC da literatura).
Sinto ter lido uma tradução. Preciso realmente aperfeiçoar o meu Francês, pra ler no original.
Confesso que passei por momentos de cansaço, durante essa empresa, mas... uma vez terminada, fica a sensação fortíssima de realidade, de concretude, de vida. Proust salvou-se do esquecimento, afinal.
Fica a dúvida cruel: alguém como Proust, com sua Recherche, só pode ser fruto de anos de ócio, e portanto de uma sociedade inigualitária. Compensa?

segunda-feira, 14 de maio de 2012

MEU ATO


meu ato,
ingênuo, delicado,
de buscar
o ninho mais alto,
a ave rara,
no fino ramo,
o ramo mais frágil.

meu ato,
distante, solitário,
de riscar
o arco indiferente,
a reta clara,
na límpida pedra,
pedra somente.

meu ato, meu teatro,
armado no Tempo,
meu ato ingênuo
de ler o silêncio,
e traçar o arco,
meu ato: meu retrato.